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Mário Braga Pinheiro

1931 - 2021

Orgulhava-se de ter pescado um dourado de doze quilos. Fez questão que um fotógrafo registrasse a proeza.

O nonagenário Mário deixou muitas histórias para contar. A mais memorável, talvez, seja do dia em que pescou um peixe tão grande que sabia que precisaria ter provas do feito; do contrário, cairia no descrédito que enfrentam tantos pescadores que relatam suas conquistas.

À época em que pescou o dourado de doze quilos, Mário já era casado com Altina. Se conheceram ainda bem moços, quando ele passava de bicicleta na frente da casa dela e os dois trocavam flertes. Estiveram juntos por mais de setenta anos, sempre com muito amor ― aliás, essa é outra história que fica na memória dos seus.

O casal teve os filhos Eula, Elen, David, Evandro e Mário Júnior, e é a primogênita quem conta que a história de amor dos pais lembra outras famosas: Romeu e Julieta, Pedro e Inês, Abelardo e Heloísa, tanto pela cumplicidade quanto pelo desfecho em que os casais seguem juntos até na hora do fim.

Mário gostava de sair em pescarias. Foi em um fim de semana de 1964 que pescou o famoso dourado, chegando orgulhoso em casa, já tarde da noite, para compartilhar o feito com a família. Quis chamar um fotógrafo porque sabia: "amanhã a Altina começa a cortar o peixe e minha façanha vai para o beleléu".

O registro foi feito e são os filhos Eula e David, ainda crianças, que seguram o peixe, com a ajuda da mãe. A foto é histórica e acompanha duas anotações de Mário. A primeira foi feita no mesmo ano da pescaria e a segunda em 1998 para falar da "grande façanha do pescador Braga". À época, em razão de um programa de TV, a família estava chamando Mário pelo sobrenome. Eula conta que, eventualmente, percebeu que preferia voltar a chamá-lo da forma mais doce possível: papai.

Papai Mário amava contar histórias. Falava de quando aprendeu a consertar automóveis quando ainda era menino. Ele perdeu o pai muito cedo e, tendo ido morar com sua tia Ozir, aprendeu com o esposo dela ― o tio Geraldo ― tudo o que precisava saber sobre mecânica. Trabalhou em oficina apenas uma vez e, depois, seguiu para fazer carreira em uma das mais famosas empresas do país. Era tão bom que consertava carro até por telefone, se fosse preciso! Algo que aconteceu quando deu dicas para um filho residente nos Estados Unidos.

Mário era muito amoroso com a esposa, seus filhos e com os netos Pedro, Ana Luísa, Elisa e Letícia. Sentia-se feliz por ter construído uma bela família. Em fevereiro de 2020, perdeu o caçula, Júnior, de uma maneira trágica. Encontrou forças para ser o porto-seguro da esposa, amparando-a quando preciso. Dedicado, levava seu café da manhã na cama todos os dias. Um gesto de cuidado que jamais será esquecido por quem o testemunhou.

Mário e Altina adoeceram praticamente juntos e, sem saberem da situação um do outro, partiram com poucos dias de diferença. Para Eula, esse não saber deve tê-los confortado porque os privou de passar "pelo dissabor de sentirem a ausência um do outro".

O filho de Seu Írio e de Dona Izair, a vó Filhinha, partiu deixando memórias mil e algumas mudas de árvores para plantar. Era algo que ele fazia, especialmente com os pés de abacate, seus favoritos! Gostava de separar mudas para presentear os conhecidos. Três ficaram por plantar e foram levadas por Eula para a Paraíba do Sul, onde todos nasceram, e plantadas por lá, na terra do primo João Braga.

Mário era cheio de vida e tinha disposição para anos mais. Entre histórias, consertos e plantas, deixou seu principal legado na família que constituiu com imenso amor.

O tributo à esposa de Mário também está no Inumeráveis. Para conhecer a história, procure por Altina de Carvalho Pinheiro.

Mário nasceu em Paraíba do Sul (RJ) e faleceu em Juiz de Fora (MG), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Mário, Eula Carvalho Pinheiro. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Reis, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 24 de setembro de 2021.