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Mário Haruo Sôga

1951 - 2021

Guardião das tradições japonesas, nas pescarias, na preparação dos pratos e na honradez dos hábitos samurais.

Mário era filho de imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil em meados de 1931 a bordo do navio Montevideo-Maru. A distância entre Brasil e Japão nunca foi impedimento para ele reverenciar sua ancestralidade, já que não há como dissociar a família Sôga de suas raízes nipônicas. Essa herança cultural se fazia presente em cada momento de seus dias, fosse pela prática do budismo, fosse pela alimentação baseada na tradição japonesa, fosse pela comunicação na língua pátria, fosse pelo culto à memória dos antepassados.

Além disso, toda a família sempre participou dos festivais culturais da comunidade, como conta Paula, filha de Mário: “Crescemos com nosso pai nos levando aos Undokai: um dia festivo, com diversas famílias da empresa onde ele trabalhava. Lá, participávamos de gincanas, provas esportivas e culturais, danças, e concorríamos a muitos prêmios. Esse era um momento muito especial, em que celebrávamos as nossas origens. Posso dizer que a cultura japonesa, ensinada pelo meu pai, nos fortaleceu em busca de uma vida honrosa, honesta e próspera, onde a união familiar é o enfoque primordial, e valores como educação e respeito são a base de transformação”.

Mário foi casado com Maria Helena, sua primeira e única namorada, com quem viveu por mais de cinquenta anos. Os dois se conheceram no bairro onde moravam. Foi um marido exemplar, que se dedicava inteiramente à família e ao trabalho, numa relação de muito amor e respeito para com a esposa e os quatro filhos: Paula Keiko, Adriana Aiko, Raphael Haruo e Marcel Kyoshi. Todos os sonhos que cultivou em vida se remetiam à família e o seu maior desejo era que ela se mantivesse feliz, segura e reunida independentemente das circunstâncias.

“Como pai, certamente, ele era o meu melhor amigo! Com seu jeito brincalhão era capaz de nos tirar as mais altas gargalhadas. Extremamente sábio e amoroso, nos deixou ensinamentos valiosos e belas recordações. Foi um pescador incrível, excelente na cozinha japonesa. Todos os dias dedicamos a ele parte das batidas de nossos corações”, conta Paula com carinho.

Foi avô dedicado e incomparável de Cauet Hiroshi, Sophie Thiemi e Wesley. Era capaz de descer a qualquer horário para brincar no parquinho com os pequenos. Nas idas à praia, fazia castelinhos de areia e contemplava o céu e o mar ao lado dos netos; quem os via juntos percebia um amor infinito e uma rara sintonia.

Mário trabalhou como Supervisor de Departamento em uma empresa onde todos os funcionários o admiravam porque tratava a todos com respeito. Nas interações entre colaboradores, participava das disputas de futebol e vôlei como um excelente atleta!

Nas horas vagas, gostava de contemplar o mar, pescar, ouvir partidas de futebol pelo rádio, jogar sudoku, resolver quebra-cabeças e tentava acompanhar o karaokê. Com a família, gostava de viajar, de cozinhar e de comer comida japonesa ao lado de seus amados.

“Sua paixão pela pescaria foi certamente herdada do nosso avô. Desde pequenos, viajávamos com o papai para pescar, o que nos fez conhecer diversos lugares: pescávamos muito nos rios paranaenses. Todas as vezes em que uma viagem era planejada, logo se transformava em um evento muito esperado por nós”, relembra Paula, que relata também outras memórias marcantes na convivência com o pai:

“Na infância, lembro de quando ele me levava para a escola: íamos por todo o trajeto de mãos dadas. Ao término da aula, estava sempre me esperando com um largo sorriso estampado em seu rosto. Na época das festas de Natal, sempre generoso, lotava kombis de presentes, materiais escolares e alimentos para distribuir aos necessitados.”

“Eu me recordo também que os meus avós tinham plantação de caqui-café. Então, passeávamos entre as árvores enquanto ele me explicava sobre a fruta e o seu cultivo. Além do caqui, toda comida japonesa me faz rememorá-lo, especialmente o karê e o sashimi. O seu time do coração era o Palmeiras”.

Paula finaliza sua homenagem ressaltando as qualidades do pai:
“Foi um homem honrado, que se dedicou inteiramente à esposa e à família, deixando um grande legado de valores morais e de momentos únicos em nossas memórias. Um pai adorável, que nos ensinou sobre honra, palavra e estudo! O maior amor de nossas vidas, o amor que semeou pelo mundo continuará a florescer em nossos corações.”

“Como descendentes de uma linhagem de samurais seguimos o código de honra cujas maiores virtudes são: justiça, coragem, benevolência, honradez, educação, sinceridade e lealdade. Estes pilares regem a minha vida e procuro repassá-los aos meus filhos para terem uma vida plena, repleta de felicidade e realizações."

“Quanta falta você faz e quanto orgulho de ter sido sua filha! Que lindas memórias e grandes momentos passados juntos. Sua família, filho e netos jamais te esquecerão! Você é nosso grande herói”, conclui Paula.

Mário nasceu em Londrina (PR) e faleceu em Curitiba (PR), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Mário, Paula Keiko Sôga de Souza. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 27 de junho de 2023.