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Marlene Souza da Silva

1936 - 2020

Estava sempre pronta para qualquer evento: aniversários, bodas, casamentos... não recusava nada.

Marlene foi a filha mais velha de sete irmãos. Após ela, nasceram Derli, Paulo Afonso, Marília, Alberto, Albertinho e Márcia. Tiveram uma infância feliz junto aos pais Julieta e José. Ajudava a mãe a cuidar dos irmãos menores. A família sempre foi muito religiosa e, congregavam juntos na Igreja Metodista do bairro. Estudou no colégio Tiradentes com o intermédio de seu irmão Paulo Afonso. Desde cedo, sua vontade de ajudar o próximo já se revelava. Muitas vezes, durante velórios, Marlene sumia da vista dos pais. Quando iam procurá-la, lá estava ela ajudando a família enlutada.

Frequentou a igreja evangélica metodista por toda a vida e sempre foi muito participativa nas atividades. Não perdia nenhum culto e gostava que toda família a acompanhasse nos cultos especiais. Duas vezes por semana, participava das tardes com Jesus com outras mulheres da igreja, ocasião em que tricotavam, faziam crochê, pintavam e faziam artesanato, enquanto conversavam. Tinha paixão pelos hinos religiosos orquestrados. Seu favorito era “Grandioso és tu”. Foi presidente da sociedade de mulheres e ajudava em todo o tipo de evento. Organizou cafés, lanches, feijoadas beneficentes e outras atividades para ajudar a igreja e a comunidade. Gostava de participar das excursões e viagens organizadas pela igreja.

Foi casada com João Nunes, falecido em 2019. A paquera começou quando ele a viu por cima do muro de sua casa. À época, ele tinha até mesmo outra pretendente, com o mesmo nome. Mas Marlene conquistou o coração do então soldado. Com ele teve sete filhos: Jairo, Eliane, Elizete, Jardel, Jamir, Jander e Juninho. Ter construído uma família grande foi uma de suas maiores alegrias. Gostava da casa cheia. Com os filhos, vieram mais seis membros da família, entre genros e noras, que lhes deram onze netos e, esses, sete bisnetas que, segundo a neta Juliana, foram as princesinhas do castelo de Marlene. Juliana acredita que boa parte da alegria que tiveram na infância foi graças à avó tão carinhosa e amorosa que tiveram. Passar as férias na casa da avó era sempre um programa animado. Marlene não media esforços para agradar e alegrar os netos e bisnetas.

A época de Natal era uma tradição. Fazia questão de toda a família junta no dia 25 de dezembro. Reuniam-se para um almoço e ficavam juntos até à noite. Ela comprava copos e enfeites e montava lembrancinhas para todos, recheadas de bombons e doces. Fazia sempre algumas unidades a mais para o caso de alguém aparecer sem avisar. Não queria que ninguém saísse sem um presentinho. Passava o ano tricotando e pintando panos de prato para presentear a família, e ficava muito alegre quando elogiavam seu trabalho.

Quando Juliana foi morar no mesmo terreno de Marlene, a relação de avó e neta se fortaleceu. Além das sessões de fisioterapia, já que esse é a formação de Juliana, tornaram-se grandes companheiras. Juntas, assistiam novelas, filmes, praticavam exercícios e lanchavam. Dividiam o gosto por laranja azeda com sal, que comiam escondidas dos demais familiares. Quase toda semana faziam churrasco. Compartilhavam também a paixão por sapatos que Marlene sempre nutriu. Quando podia, gostava de comprar um modelo novo, principalmente sapatilhas e sandálias rasteirinhas.

Marlene gostava muito do Programa Sílvio Santos, não perdia um. Das novelas, gostava de todas, das histórias de época às bíblicas. Chegou, inclusive, a escapar mais cedo do próprio aniversário para não perder o último capítulo da novela que acompanhava. Também gostava muito de pedir comida em aplicativos. Achava graça na vinheta da propaganda de um deles e sempre queria pedir os pratos anunciados na televisão. E Juliana, sempre prezando pela alegria da avó, atendia essa vontade e fazia o pedido. Quando o entregador chegava, se olhavam e repetiam juntas a vinheta, entre risos.

Vaidosa, ia a cada quinze dias na manicure e toda semana ao salão para arrumar os cabelos. Quando por conta da idade deixou de dirigir, a filha ou a neta sempre levavam Marlene ao salão, o que acabou virando um programa divertido entre elas.

Sempre trabalhou muito. Quando jovem, ajudava o pai no seu carrinho de venda de pipoca. Anos mais tarde, já casada, trabalhou na área administrativa da Secretaria Estatual de Saúde. Também atuou como enfermeira. Era sempre chamada pelos vizinhos, parentes e conhecidos para aplicar injeções, fazer curativos, dar banho em recém-nascidos e ´curar umbigo´, que consistia em limpar e fazer um curativo até que o umbiguinho dos bebês caísse naturalmente. Cuidou também de muitos bebês da cidade, ajudando as mamães de primeira viagem até que os pequenos crescessem.

Já aposentada, gostava de aproveitar seu tempo indo a todo tipo de comemoração. Marlene nunca dizia "não" para nenhum convite; topava tudo, fosse casamento, batizado, aniversário, bodas. Em qualquer reunião comemorativa ou não, lá estava ela. E ficava enciumada quando descobria que, por qualquer razão, não havia sido chamada para participar de algum evento. Também sempre estava disposta a uma viagem à praia ou para um sítio. Até um simples passeio ao shopping ou ao supermercado faziam seus olhinhos brilharem. Topava até mesmo ir em velórios. Mesmo com as limitações da idade, nunca deixou de ser ativa. Fazia hidroginástica junto com sua filha semanalmente. Encontrou na atividade uma nova paixão e não perdia nem uma aula.

Durante o período da pandemia, com os eventos e passeios limitados, sua paixão por plantas se fortaleceu ainda mais. Cuidar de seu jardim virou seu passatempo favorito. Essa paixão ficou como um legado para muitas das mulheres da família, que passaram a se interessar mais pelo assunto por influência de Marlene. A neta conta que uma vez levou a avó para passear de carro, ainda durante o período de isolamento e, sem tirar a avó do veículo por segurança, compraram diversas mudas para ela. Assistia vídeos na internet sobre como cuidar melhor de suas plantinhas e sempre pedia à filha e à neta para adquirirem produtos e ingredientes para colocar em prática as dicas que gostava.

Cozinhava alguns pratos que ficaram marcados para os familiares, como a “carne com batata suada”; uma pizza feita a partir de receita especial; doce de abacaxi com coco; docinhos para aniversários e o brigadeiro. O brigadeiro de Marlene, diz Juliana, “é o melhor da vida”. Tinha paixão por doces e guloseimas. Porém, como era diabética, não podia comê-los, mas o fazia escondido da família, que muitas vezes encontrava papéis e embalagens perdidos entre suas coisas. “Nossa, já tem muito tempo que comi”, desconversava. Sempre saía das festas de aniversário com uma vasilha com doces. Dizia que era para o marido.

Marlene gostava de contar as histórias de sua infância, de como conheceu seu marido, sobre as novelas que assistia e sobre os acontecimentos da igreja. Conversadeira, fazia amizade fácil por onde ia. A família guarda com carinho na memória, a imagem da pessoa alegre e doce que ela foi.

Marlene nasceu em Juiz de Fora (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Marlene, Juliana. Este texto foi apurado e escrito por , revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 22 de novembro de 2021.