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Marli Terezinha Reginaldo

1952 - 2020

Não temia recomeços. Com sua fé cristã, sabia que havia tempo para todo propósito debaixo do céu.

A relatividade do tempo não amedrontava Marli. Será cedo demais? Será tarde demais? Sua fé evangélica, fiel a Jesus, trazia-lhe convicção para se mover, um passo por vez, tão certa como um ponteiro avança no relógio. Com a fé, também aprendeu que o tempo das coisas nos parece, às vezes, meio descompassado.

Quando criança, não girou nos braços do pai. Não chegou a conhecê-lo, tendo sido criada pelos avós, na cidade de São João Batista, em Santa Catarina. Em uma realidade sofrida, as brincadeiras de infância ficaram pelos caminhos dos corredores de terra que cortam as plantações de fumo da região. Trabalhou duro na roça.

Foi em Blumenau, que os ponteiros pareceram que iam se ajustar um pouco. Como diz os versículos bíblicos que ela tanto gostava, "tudo tem seu tempo determinado" e há tempo até para dançar. E, de dança, a Marli entendia, adorava frequentar tardes dançantes. Foi numa dessas, inclusive, que conheceu seu esposo.

A filha do casal, Vandira, conta como tudo aconteceu: "Naquela época, o pessoal gostava de fazer esses encontros, um na casa do outro. Em uma dessas vezes, havia um rapaz tocando gaita e minha mãe apostou com as amigas que iria paquerá-lo. E paquerou mesmo. Resultado: ela ganhou a aposta". Mas, esse não foi o único resultado. Uma semana depois, o gaiteiro, que levou tudo aquilo muito a sério, apareceu na casa do tio de Marli, com quem morava naquela época, para pedir a permissão para noivar com a moça.

O tio autorizou. Ela aceitou. Eles se casaram e tiveram filhos.

E, de repente, os ponteiros – que pareciam ter se ajustado – se voltaram contra ela. Marli perdeu o esposo muito cedo, quando os filhos ainda eram crianças. Esse acontecimento fez com que ela tivesse que se multiplicar, como se o dia para ela tivesse mais de 24 horas. Trabalhava de costureira, de cozinheira, vendia joias e, em época de eleição, fazia panfletagem.

Mais madura, Marli largou mão de querer entender o tempo. Aceitou que o tempo de Deus nem sempre é o nosso tempo.

Quando idosa, não lhe faltou horas para se divertir com os netos, aprendendo – pela primeira vez – a brincar. Não lhe faltou amigas da igreja para dividir boas risadas em torno de uma mesa farta de café da tarde. Envelheceu sabendo, finalmente, que rosto o pai biológico tinha. Foi com mais de 50 anos de idade que o encontro aconteceu.

Tendo dedicado seus últimos anos de vida à obra de Deus, o que era motivo de muita alegria para ela, Marli partiu para, enfim, girar – como criança – nos braços do seu Pai, o Pai do Céu, aquele que, de fato, controla o tempo.

Marli nasceu em São João Batista (SC) e faleceu em Blumenau (SC), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Marli, Vandira Marli Nunes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Michele Bravos, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 22 de junho de 2021.