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Mauro Montanher

1975 - 2020

Tinha um coração proporcional a sua altura.

Com seus 1,93 m e ombros largos, a princípio, Mauro podia parecer um tanto quanto intimidador. Mas no seu caso, não era a primeira impressão que ficava. Muito maior que a sua estatura, era o seu coração.

"Ele sempre guardava umas moedas para dar para quem precisasse, quando a gente parava no farol", recorda a esposa, Priscila Palma. Da padaria em que trabalhou por 30 anos, sempre saía para ajudar, quando via algum pedinte. "Era muito sensível, sensibilizava-se com as pessoas na rua. Saía e levava comida para eles", conta a esposa.

Foi nessa padaria, que fez toda a sua trajetória profissional; de balconista, aos 14 anos, à supervisor de copa. Gostava muito do seu trabalho, embora também tivesse vontade de se aposentar e abrir o próprio negócio. Muito trabalhador, apesar de ter subido de cargo com o passar dos anos, fazia um pouco de tudo. "Havia clientes que só lanchavam, se ele fizesse. Outros, iam só para conversar com ele", afirma Priscila.

"Era um bom funcionário, conquistava os clientes porque era conversador, todo mundo gostava de ir à padaria", lembra a esposa. Alguns dos frequentadores até mesmo deixavam de ir à padaria quando Maurão, apelido que ganhou dos colegas de trabalho, justamente pela altura, estava de folga ou de férias.

Quem também costumava aparecer eram os amigos de Mauro, com quem sempre tomava uma cerveja, depois do expediente, em um bar na frente da padaria. Foi em uma dessas saídas que conheceu Priscila, em 2014. Trocaram conversas e olhares por dias, até que um dia ele a convidou para ir a sua casa. Ela brinca, dizendo que só aceitou porque ele falou, "eu faço o café-da-manhã".

Eram quatro as suas grandes paixões: Priscila, que carinhosamente apelidou de "ursona"; as duas filhas, Caroline, de 22 anos e Alicia, de 1 ano e três meses, que ele dizia serem as "suas princesas"; e o São Paulo Futebol Clube. Tinha tudo que se podia imaginar do time: meia, pano de prato e até mesmo a biografia do goleiro Rogério Ceni.

Ficava tão nervoso em dia de jogo, que não aguentava nem assistir à partida inteira. Desligava o celular para não receber provocações dos amigos. "Quando da ocasião do nascimento da caçula, só não comprou uma saída de hospital do São Paulo para ela, porque não deixei", lembra a esposa. "Mesmo assim, sempre comprava para a pequena, roupas vermelhas — uma das cores do clube".

Adorava um bom pagode e era grande fã do cantor Péricles. "No carro era só pagode, no celular era só pagode", diz Priscila. "Quando tocava uma música da qual ele gostava, costumava batucar, no baldinho". Sempre teve o desejo no coração de ser jogador de futebol. Dizia que jogava muito bem quando era mais novo e que só não seguiu carreira por causa de uma lesão.

Antes de conhecer Priscila, foi casado duas vezes. Para ela, fica a recordação de um homem "do bem, muito sensível, que toda vez que falava nas filhas, sempre chorava". Nas suas palavras, "um super-homem", que amava muito sua família.

Mauro nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 44 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Mauro, Priscila Palma. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Audryn Karolyne, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 4 de julho de 2020.