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Mercedes Papotto

1935 - 2021

Enviava diária e pontualmente, mensagens de "bom dia" e "boa noite" com palavras de fé, esperança e amor.

Em maio de 2020, Mercedes gravou um vídeo no qual dizia que era muito fácil para ela falar sobre as mães, pois as três letras da palavra significavam respectivamente "Maior", "Amor" e "Eterno"; e que, para além disso, ainda há em comum a maior mãe do mundo: Maria, a mãe do filho de Deus.

Por ironia do destino e na tentativa de elaborar o luto, a filha Claudia, que acreditava que também seria fácil falar sobre a mãe e mulher que foi Mercedes Papotto, assistiu repetidas vezes ao vídeo e concluiu: "Percebi que na sua sabedoria e agilidade de raciocínio, ela já nos preparava com palavras de esperança e tranquilidade, mostrando que as mães são eternas e por elas temos o maior amor do mundo. Muitos são os herdeiros deste amor e enorme é a herança deixada por ela."

Desde criança, Mercedes dedicava-se a adorar Jesus e, mesmo sem saber rezar, passava horas na igreja contemplando a face Dele e de Nossa Senhora. E assim seguiu na juventude, na vida adulta e até o último dia de sua existência terrena. O amor, a fé, a solidariedade e a fraternidade foram suas companheiras durante toda a trajetória.

Mercedes conquistou uma legião de pessoas que a amavam e admiravam. A ajuda e o socorro ao próximo e aos menos favorecidos nortearam suas ações não apenas enquanto atuou como presidente do Fundo Social de Solidariedade ou como primeira-dama do município paulista de Guarulhos, ela fez disso uma constante.

"Dentre muitas histórias emocionantes, me vem à cabeça a história de um menina de 8 anos que precisava de um aparelho auditivo. Diante da necessidade, minha mãe fez uma campanha entre os empresários da cidade e possibilitou a aquisição de diversos itens para a pequena. No dia da entrega, a mãe da menina pediu a palavra na solenidade e disse: 'Dona Mercedes e Dr. Vicentino, eu queria muito dar uma lembrança para a senhora, um botão de rosa, mas, infelizmente, minhas condições não permitiram. Contudo, tenha a certeza de que esses dois joelhos estarão ao chão a rezar pela sua vida todas as noites daqui pra frente'. Situações como esta eram frequentes, pois o amor pelo ofício e pelo próximo eram grandiosos e ela sempre procurou atender a tudo e a todos", conta Claudia.

Era dessa mesma forma com a família, dedicava-se de corpo e alma, fazendo sempre questão de cuidar de todos. Por anos ela foi o porto seguro da família, oferecendo carinho, acolhimento e boas risadas acompanhados de grandes banquetes dos quais ela se orgulhava com razão.

Nas celebrações de Páscoa, Natal e em cada aniversário, a família se reunia. Era na presença de espírito e na segurança de dona Mercedes que buscavam o senso de normalidade e paz em meio ao caos da vida moderna. E, dentre todas as funções que ela desempenhou ao longo da vida, essa era, com certeza, a que mais gostava.

Ela amava ser avó, ou melhor: a Vova. Vovó de três netos, dizia amar todos igualmente. "Porém, há controvérsias, e, quando indagada sobre esse amor, dizia: 'Olha, eu amo os três da mesma forma, mas com uma pequena diferença: o Pedro, o mais velho, eu amo dois anos a mais do que a Gabriela, a minha única neta; a Gabi, eu amo por um ano a mais do que o João, meu neto caçula e o que cuida de mim. E assim eu tenho todo o amor por eles de uma maneira incondicional'", conta a filha. A única neta faz questão de ressaltar: "Vova, te amarei muito, muito... sempre, sempre..."

Era ela quem agitava as festas, comemorações e encontros familiares. Esmerava-se em fazer o melhor e sempre com muita criatividade. "Era a campeã das pegadinhas... em nossos natais fazíamos amigo secreto e amigo da onça, onde ela usava de muita astúcia pra presentear os amigos da onça. Todos esperavam com certo receio... A decoração era feita por ela com maestria; a cada ano uma cor diferente e todos nós íamos vestidos em tons da cor escolhida por ela. Agora temos só recordações, imagens que nunca sairão de nossos corações", recorda nostálgica a filha Claudia.

Com a chegada da era tecnológica, houve em princípio uma certa resistência por parte dela e do marido. Porém, aos poucos ela se rendeu e soube aproveitar as modernidades da internet. "Ela lia as notícias e nos 'municiava' de informações locais e globais. Suas redes sociais eram um alento para muitos internautas, inclusive para desconhecidos. Em um aplicativo de mensagens tinha seu ritual: todas as manhãs e tardes, no mesmo horário (não podendo atrasar) enviava mensagens de bom dia e boa noite, sempre com palavras de fé, esperança e amor. Às vezes aparecia algo engraçado, ela ria com gosto e então obviamente dividia conosco, comentando: 'Essas minhas amigas são maravilhosas e terríveis, primeiro enviam uma oração e, logo em seguida, uma piada, ai, ai, ai...', lembra Claudia e complementa: "Recentemente aconteceu um fato interessante e memorável para os que recebiam suas mensagens. Ela enviava uma imagem e quatro figurinhas; numa noite, desapercebida, enviou uma imagem com os dizeres: 'Deus te elimine'. Sendo alertada pelos netos, imediatamente consertou, enviando um áudio: 'Que Deus elimine todo o mal de sua vida, toda a desesperança, todo desânimo e tudo o que não for divino!' Sim, ela era uma pessoa habilidosa e especial demais."

Pouco antes de adoecer, ela colocou uma semente de abacate numa xícara com água. Com o passar dos dias a semente criou raízes, logo um brotinho despontou e a muda foi crescendo, crescendo... a planta ficou bastante viçosa e era mais uma das lindas lembranças e legado de Mercedes.

Após o falecimento da avó, João se mudou para um sítio e eternizou essa lembrança numa linda cerimônia de plantio do abacateiro, ao qual ela deu vida, e que agora é uma manifestação diária da presença da Vova entre a família. "O abacateiro foi plantado em um lugar cheio de vida e boa energia, assim como era a senhora", disse o neto caçula numa rede social.

Além do abacateiro, das recordações de tantas histórias e momentos vividos por ela e com ela, ficou um legado incrível de caridade, fraternidade, esperança, fé e, acima de tudo, de amor a Deus e ao próximo.

Reza a lenda que se você receber a visita de um beija-flor em um jardim ou terraço, significa que as almas das pessoas que morreram e permanecem em seu coração decidiram visitá-lo e mostrar que estão bem. Essa crença é baseada em uma lenda guarani que envolve o beija-flor como mensageiro de almas. E foi assim que, nove meses após sua partida, a família recebeu a visita de um beija-flor cuitelinho durante o café da manhã no sítio. "Uma brisa leve tocou meu rosto. Uma paz invadiu o meu coração. Parecia algo me dizendo que está tudo bem lá na eternidade... e assim quero caminhar... e por hoje eu não ficarei triste, só amanhã.", finaliza carinhosamente a filha Claudia.

Mercedes nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha e pela neta de Mercedes, Cláudia Papotto e Gabriela Papotto Louro. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 19 de maio de 2022.