1950 - 2020
Para ela, ter netos foi como ter filhos novamente; ficava radiante ao ver a casa cheia, mesmo que tudo ficasse bagunçado.
Diziam que seu nome era grande demais pra falar — daí nasceu o apelido: Migué ou Tia Migué. Foi casada com Alcides por quarenta e cinco anos e juntos formaram uma família bem grande, eram 11 filhos: Neuton, Neusilene, Arnaldo, Aldo, Maria Aparecida, Adivaldo, Jilson, Carmelinda, Carmélio, Belinha e Florinda. A família, já numerosa, cresceu ainda mais com a chegada dos filhos adotivos, que Tia Migué recebeu com todo amor: Deuselina, Elias, Cândida, Mateus e Denise.
Teve uma infância difícil. O pai faleceu quando ainda era criança, deixando a esposa e seus dois irmãos. Depois que sua mãe teve outro relacionamento e outros filhos, Migué passou a ser a mais velha entre oito irmãos.
Quando criança ela não gostava de confusão; era sempre muito na dela, nem muito quieta nem muito tímida. As histórias que contava sobre a infância giravam em torno das dificuldades que passou em relação à ausência do pai e da importância que tiveram seus tios, irmãos do pai, em sua criação.
Quando nasceu, o lugar todo se chamava Natividade. Depois foi desmembrado e passou a se chamar Santa Rosa do Tocantins. O povoado, que ficava a três quilômetros de sua chácara, era visitado por ela aos finais de semanas para vender as verduras e para ir à igreja. Foi lá que ela cresceu e construiu sua família.
Na juventude, morou durante algum tempo em Goiânia, dos 18 até os 24 anos, e voltou para se casar. Alcides e Miguelina, se prometeram em casamento quando ela ainda morava em Goiânia, e por dois anos comunicavam-se por cartas. Depois que eles se casaram, nunca mais tiveram nenhum momento de separação.
Lavradora aposentada, tinha sua própria fazenda — uma espécie de chacarinha —, onde plantava arroz e verduras. Cuidava como ninguém da sua roça, a foice e machado. O arroz ia pra casa e as verduras, além de serem consumidas pela família, eram também vendidas. Sempre que um plantio dava bons resultados reservava uma parte para os filhos quando fossem visitá-la.
Durante muito tempo a família compartilhou com ela a rotina de trabalho. Quando os filhos tinham por volta de 15 anos iam para a cidade buscar meios de trabalhar e de estudar. Quando as crianças ainda eram pequenas e estavam só com ela em casa, o tempo da brincadeira ela prolongado. Era uma pessoa mais tranquila e mais liberal; o esposo era um tanto mais rigoroso.
Na roça tinha muita coisa para fazer, mas uma das atividades que ela mais gostava era de cuidar das crianças, que eram muitas. Além dos filhos, cuidou dos sobrinhos e de cunhados — três deles eram pessoas com deficiência. Esse papel de cuidadora também foi exercido por ela para com a sogra, e até com vizinhos. Cuidado era uma de suas grandes ocupações.
O amor que tinha pelos filhos era tamanho, que ela sempre dizia que se pudesse ter mais alguns, teria. Os filhos a visitavam no mínimo duas vezes ao ano e faziam reuniões familiares daquelas bem cheias e alegres.
Ela sempre foi religiosa. Católica, ia à missa todos os domingos e participava de terços durante a semana. Era uma igreja muito pequena, mas sempre que tinha algum evento onde ela e o marido gostavam de estar presentes. Também saíam juntos, ela e o esposo, para dançar. Sempre compareciam às festas mais próximas de casa e eram considerados um dos casais mais assíduos às reuniões e eventos da região.
Migué era uma pessoa muito íntegra e muito grata pelo que tinha. Sempre falava que não tinha vontade de ser rica, porque o que ela queria era ser feliz e poder cuidar dos filhos dela. Incontáveis foram os ensinamentos que deixou aos filhos. Os principais foram sobre honestidade e humildade: "A gente sempre tem que ter em mente que não é melhor do que ninguém", dizia. E sobre a religião, ensinava a "sempre buscar a Deus, agradecer a ele por tudo".
Os cochilos eram sua marca. Os eventos que frequentava normalmente aconteciam à noite, quando, já exausta do trabalho, o cansaço tomava conta dela; então, sem querer, acabava cochilando... "E isso acontecia numa reunião, em que o povo estava discursando ou numa igreja, enquanto o padre estava ali falando", revela Carmélio.
Não havia quem tivesse alguma mágoa ou descontentamento com ela. "Sempre ficava na dela, não era muito de se achegar às pessoas; mas quando se aproximavam dela era muito acolhedora e conquistava. Ela era amiga de todos, mas particularmente de uma prima, uma comadre, que era a sua melhor amiga", diz Carmélio.
"Ela era uma pessoa muito calma, não fazia encrenca com ninguém, tranquila que só ela. Não falava alto com ninguém independentemente da situação. Buscava sempre apaziguar as coisas que porventura viessem a alterar os ânimos. Cativava as pessoas, fosse pela maneira admirável como se relacionava com os filhos, fosse pelo jeitão acolhedor ou pelo carinho com que ela chegava oferecendo os produtos dela, na maior humildade."
"Sempre teve coração aberto, sua generosidade era admirável. Ela poderia ter pouco, mas se alguém estivesse precisando do pouco que ela tinha, ela dividia. Ela se importava com aqueles que estavam precisando ao redor dela. Ela tinha esse hábito de querer fazer com os outros o mesmo que haviam feito para ela, em sua época de necessidade. Também gostava muito de cozinhar e sempre procurava fazer alguma coisa para agradar quem estivesse em casa."
Gostava de ver a casa cheia, com aquele monte de crianças, tinha uns 12 netos. Tinha também os sobrinhos-netos, que ela considerava como netos e, contando com esses, na verdade, tinha uns 20.
Carmélio diz que ele era um dos filhos que ela mais adulava. Não ficavam mais de duas semanas sem se falar. Era seu companheiro de missas também. Foram muitos os momentos felizes que viveram, ele e os irmãos, ao lado da mãe, e eleger um deles não é das tarefas mais fáceis. Ele lembra de especialmente de um, quando ele foi designado para fazer uma festa na cidade, e foi ela quem o acompanhou.
O esposo de Miguelina também foi uma das vítimas da Covid-19. Você pode conhecer a história dele acessando a homenagem para Alcides José Nogueira.
Miguelina nasceu em Natividade (TO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Miguelina, Carmélio da Conceição José Nogueira. Este texto foi apurado e escrito por , revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2022.