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Miltes Batista de Souza

1932 - 2020

Conheceu o marido no trem e foi a pé para a igreja no dia do casamento.

Nascida no interior de Minas Gerais, sua infância não foi fácil. Trabalhava na roça para ajudar em casa. O pai, João dos Reis, morreu quando ela tinha 4 anos e Miltes assumiu a responsabilidade de criar os três irmãos e, posteriormente, três netas e uma bisneta.

Aos 18 anos mudou-se para São Paulo junto com toda a família. Foi quando conheceu o marido Joaquim Batista de Souza, no trem. “Ela falava que ele entrou no trem, atrás dela, eles estavam em sentido contrário”, recorda a neta Vivian. Foram seis meses de namoro até o dia do casamento, na década de 50, quando a capital paulista ainda não tinha muitos carros por suas avenidas. “Foram a pé até a igreja e todos ficaram olhando ela saindo de casa, minha tia disse que ela era muito linda.” Mais uma lembrança da neta Vivian deste dia tão importante para o casal, que teve sete filhos – Maria Conceição, José Geraldo, João Batista, Aparecida Conceição, Joaquim Reis, Luiz Carlos e Sônia –, 18 netos e 15 bisnetos.

Solidária e amorosa, ajudou a prima Maria, que ficou cega e acabou morando com ela durante muitos anos. Miltes era do lar, quando mudou para o estado paulista ajudava uma vizinha a costurar. Gostava muito de viajar e, sempre que podia, ia visitar os parentes nas Minas Gerais.

Gostava de músicas, principalmente as do Amado Batista e também da Roberta Miranda. Uma em especial, gostava de cantar para um dos filhos: “Como é grande o meu amor por você”, do Roberto Carlos. Amor que ia para além da música, como também nas atitudes, gestos e também na cozinha; adorava fazer um café bem fresquinho. Nos dias das mães e dos pais, a família Souza se reunia na casa dos alicerces para fazer café da tarde. “Mesmo durante a semana, vivíamos nos reunindo, eles gostavam da casa cheia”, diz Vivian.

Seu marido, Joaquim, cuidava de Miltes desde os primeiros sinais de Alzheimer com todo amor e zelo, junto com a filha Sônia, a quem ele chamava de Cri-cri. “Minha mãe, Sônia, ajudava ele quando iam em médicos, era ela quem levava e passou a ser a dama de companhia dos dois. De 2019 para cá, minha avó estava esquecendo com mais frequência das coisas até mesmo da casa de praia”, recorda Vivian. A doença foi evoluindo em Miltes, a ponto dela falar para o bisneto e para o esposo de Vivian que eles não eram mais amigos dela. "E ela gostava muito de fazer bico”, conta a neta.

Miltes e Joaquim foram casados por 68 anos. Partiram no mesmo dia, com poucas horas de diferença, ambos vítimas do coronavírus. Também juntos foram sepultados, no mesmo jazigo. Cada um cumpriu inteiramente o juramento feito na igreja no dia do casamento: “amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida, até que a morte nos separe".

Para saber mais sobre Joaquim Batista de Souza, acesse a história dele que também está aqui no Memorial Inumeráveis.

Miltes nasceu em Acaiaca (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Miltes, Vivian de Souza Lisboa. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Phydia de Athayde em 5 de outubro de 2020.