1948 - 2021
Aos 62 anos, formou-se contador. Com notas sempre acima de nove foi um exemplo para sua turma de curso.
Foi o orador da turma e, sem nenhum acanhamento ou falsa modéstia, descreveu, no seu discurso, com todo orgulho, as dificuldades enfrentadas, as descobertas e a trajetória que construíram ao longo do curso. Mas só o fato de estar ali, aos 62 anos, sendo diplomado, já era um enorme testemunho de determinação, perseverança e fé. A turma de Contabilidade de 2011 não poderia ter sido mais bem representada, pois Milton, muito mais que a mascote do grupo, era um exemplo a ser seguido.
Interrompera os estudos ainda na adolescência para retomá-lo muitos anos depois. Nesse intervalo de tempo fez um pouco de tudo: um emprego aqui, outro ali, não tinha medo do trabalho. Até que na década de 1990 abriu uma imobiliária. Nessa época, Milton já era um respeitável homem de família: estava casado e com dois filhos.
A época da imobiliária, segundo o filho Filipe, foi um período muito feliz, pois possibilitava à família uma convivência diária, quase que em período integral: os pais trabalhavam juntos e, assim que acordavam, todos, incluindo as crianças, iam para a empresa. Filipe se lembra dos computadores enormes onde ele e o irmão, após voltarem da escola, jogavam videogames, aqueles de tela preta e pontos. A imobiliária ficava perto de uma rodoviária e uma estação de trem, muito movimentada, e todo aquele burburinho de pessoas e composições dos trens os encantava.
Com o fechamento da imobiliária, Milton, já com 57 anos, formado num curso técnico em Contabilidade, começou a prestar concursos, e em 2005 foi aprovado no concurso da Prefeitura de São Caetano do Sul para atuar na área, o que lhe possibilitou estabilidade financeira e despertou nele o interesse pela graduação.
Como aluno, era extremamente focado, e nos finais de semana não media esforços para alcançar seus objetivos. Tinha muitos livros em casa, livros grossos de contabilidade e vários cadernos. Estudava muito e era muito exigente consigo mesmo: não queria ficar para trás na turma; a possibilidade de ter notas inferiores à dos colegas e de que um baixo desempenho fosse atribuído à sua idade o incomodava demais. Por essa razão, não se permitia notas abaixo de nove; exigência que não fazia aos filhos, pois para eles considerava um sete uma boa nota.
Milton era um homem de fé, muito religioso: ia às missas aos domingos e participava das atividades da comunidade. Acompanhava a programação da TV “Canção Nova” e as rotinas da igreja. No final de 2017 foi diagnosticado com câncer de próstata e passou a frequentar também a Paróquia de São Peregrino, o santo das causas do câncer.
A fé sempre foi parte importante na vida de Milton, a começar pelo seu segundo nome: Emanuel, que, em hebraico, significa “Deus conosco”. Ensinou aos filhos o poder da oração e costumavam rezar juntos, todas as noites; habito que manteve com a esposa quando os filhos saíram de casa.
Em 2020 o câncer comprimiu a medula de Milton e ele parou de andar, mas não parou de ter fé: no prédio onde morava tinha uma vizinha que era Ministra da Eucaristia. Ela levou a hóstia para ele, que chorou de emoção ao comungar, lembra Filipe, que, como o pai, também carrega o Emanuel no nome.
Milton era um homem forte, trabalhador, companheiro e presente: quando os filhos eram crianças, todo sábado era o dia da pizza e ele fazia tudo: ia ao mercado, comprava os ingredientes, fazia a massa, o recheio e as preparava. Na virada de sábado para o domingo ele dormia com os filhos e, antes de adormecerem, viam televisão ou ele inventava história para contar.
Foi um avô babão para os netos, Rafael, Adélia e Manuela, que, por ser a mais velha dos três, guarda muitas lembranças do avô. Para ela, Milton agora é uma estrelinha no céu.
Filipe lembra com carinho das conversas que tinha com o pai, um homem cheio de conselhos e de palavras que eram capazes de acalmar o coração e a mente dos filhos. Milton sempre estava a um telefonema,um email ou uma mensagem de distância dos filhos.
“Ele foi um pai muito bom e fez de tudo para que nossa infância fosse feliz”, conclui Filipe.
Milton nasceu em Saúde (BA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pelo filho de Milton, Filipe Emanuel Fernandes Andrade. Este tributo foi apurado por Claiane Lamperth, editado por Rosa Osana, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 26 de agosto de 2021.