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Milton Motroni

1951 - 2020

Seu primeiro táxi foi um fusca branco 1974, companheiro de muitas jornadas.

Nascido numa casa humilde no Sul de Minas, em meio a mais seis irmãos, Milton começou a trabalhar numa olaria ainda menino, por volta dos sete anos. Lá permaneceu até a adolescência, quando aos 17 anos foi para São Paulo com toda a família.

Foi frentista por um curto período e chegou a gerenciar o posto de gasolina onde trabalhava. Tornou-se motorista de ônibus da Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos e paralelamente começou como taxista. Quando tinha 24 anos comprou seu próprio táxi. Era um fusca branco fabricado em 1974, que se tornou seu primeiro grande companheiro. Sempre tinha grande carinho por seus carros, afinal, garantiam o sustento da família.

Manteve essa dupla jornada até se aposentar na CMTC: passava o dia no ônibus, chegava em casa pouco depois das 15h, tomava banho, almoçava, descansava e seguia para a jornada de táxi até por volta das 23h. Mesmo depois que se aposentou, continuou a trabalhar. Saía às 4h da madrugada para atender dois passageiros fixos e seguir com as várias corridas do dia. Nem quando veio a pandemia ele parou. Subestimou a gravidade da situação e preocupado que estava em manter o padrão de vida, arriscou levar um passageiro sintomático para o hospital e foi contaminado.

Não seguia uma religião específica, mas acreditava em tudo e era devoto de Nossa Senhora Aparecida. Tinha um propósito de vida e costumava dizer: “Quando eu morrer, não quero dar trabalho a ninguém, não quero nem velório”.

Era dono de um coração puro, honesto, bondoso, dedicado e muito sincero. Teve duas filhas de sangue do primeiro casamento e duas enteadas, Erika e Aline, filhas de Tila, sua segunda esposa. A caçula, Aline, conta que chamava o padrasto de pai, pois foi criada por ele desde os dois anos de idade e tem muitas memórias dos bons momentos que tiveram juntos. Ela se lembra do balde de salada com salame que ele preparava para comerem juntos com as mãos, quando ela ainda era uma menina.

Com seu jeito italiano, ele gesticulava bastante e tinha um modo particular de entortar o canto da boca quando não gostava de alguma coisa. Às vezes tinha ciúme das filhas e soube disciplinar quando necessário, mas sempre amoroso. Ensinou-as a serem honestas, íntegras, não fazerem mal a ninguém.

Amava qualquer filme de faroeste, porém o preferidíssimo era o Django original, produzido em 1966, com o ator Sergio Corbucci. Músicas sertanejas também faziam sua alegria. Aline se lembra com emoção quando o “paidrasto” cantava para ela “Catarina”, do Trio Mineiro, e a balançava no colo no ritmo da música. Divertiam-se também quando cantavam juntos nos dias de Folia de Reis.

Ele gostava também de programas musicais, especialmente o “reality show” The Voice. E quando o assunto era esportes, torcia pelo Palmeiras e não perdia as corridas de Fórmula-1 na época em que os brasileiros eram os campeões. Porém, seu momento mais sagrado era ir toda sexta-feira logo cedo para a chácara em Caçapava. Cuidava da piscina, dos bichos, da horta, ficava entretido por horas e horas e aproveitava a vida ao lado da família que tanto amava.

De coração fantástico, ajudava qualquer pessoa. “Era ímpar. Tão leve, tão simples, não tinha maldade. Isso eu vou levar sempre dentro de mim, era meu ‘paidrasto’ e sou eternamente grata a ele”, diz Aline.

Milton nasceu em São Sebastião do Paraíso (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela enteada de Milton, Aline Francine Canatto Berber. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 11 de dezembro de 2021.