1961 - 2020
Um homem de fé que levou mais de vinte anos para provar sua inocência e nunca desistiu de lutar por justiça.
Embora seu nome fosse Moisés, era chamado de Joãozinho, mesmo nome do irmão. Um artifício que o ajudou a passar de forma despercebida por algumas instâncias da vida bastante desafiadora que enfrentou. Sim, ele viveu mais de vinte anos foragido depois de ter sido condenado injustamente por um crime de sequestro que não cometeu, tendo apenas 25 anos na época e sem recursos para provar sua inocência.
Cumpriu pena por quatro anos. Quando entrou em regime semiaberto, estava tão traumatizado que preferiu se evadir e se manter na clandestinidade. Fugiu de Cataguases e morou por cerca de dez anos em Rondônia, onde conseguiu tocar a vida, trabalhando de forma digna e honesta, se apresentando nos meios sociais com a identidade de João.
Depois de um tempo, mudou-se para Indaiatuba, cidade onde mora sua mãe de 81 anos, dona Jorgeta, com quem tinha forte ligação afetiva. Filho amoroso, preocupou-se com ela até o último minuto. Embora bastante dedicado ao trabalho, dava sempre um jeito de passar para vê-la, na tentativa de minimizar o distanciamento compulsório que tinham vivido por tanto tempo.
Por gostar muito de plantas e flores, abriu uma floricultura chamada “Arte em Jardim”.
Mesmo com as adversidades que o cercaram, estava sempre sorridente, comandando sua roda de viola. Apreciador de música, um de seus sonhos era ser cantor e chegou a formar parceria com um amigo, criando a dupla sertaneja de raiz “Roni e Rafael”.
A composição “Lágrimas”, de Roberto e Meirinho, era a sua canção preferida, pois falava de saudade, sentimento que ele tão bem conheceu.
Na esperança de que a justiça dos homens pudesse ser menos falha, estimulou a sobrinha Larissa a estudar Direito: achava que ela tinha muito talento para a área jurídica e poderia se tornar uma ótima juíza, minimizando as tantas injustiças cometidas no mundo. Parte deste desejo se materializou. Larissa, incentivada pelo tio, formou-se como advogada e conseguiu, em maio de 2019, a extinção da punibilidade dele. Foi um dia memorável para todos da família. Muita emoção: finalmente ele estava livre para viver sua vida sem perseguição e medo.
Infelizmente, por um período muito curto, menos de um ano.
Embora não tenha tido tempo de realizar alguns de seus sonhos, como alterar a certidão de nascimento de seu filho Joaquim Neto, assumindo oficialmente a paternidade com seu nome verdadeiro, nunca perdeu a fé.
Homem de coragem e determinação, aceitava o que a vida lhe trazia e acreditava que as provações pelas quais passava fariam dele uma pessoa melhor. Em sua sabedoria, dizia: “Tudo passa, nenhum sofrimento é eterno”.
Em seus últimos dias no hospital, isolado da família que tanto amava, mandou a seguinte mensagem via aplicativo: “Aprendi que nada na vida foi fácil pra mim, aceito tudo que Deus coloca em minha vida. Então vou valorizando cada minuto que Deus dá pra mim, eu aprendi que a riqueza está nas simples coisas da vida, em um pequeno gesto de carinho”.
Assim foi Joãozinho, que voltou a ser Moisés e deixou no coração dos familiares as estrofes de sua música preferida: “A sua ausência fala de saudade. E a saudade fala de você”.
Moisés nasceu em Cataguases (MG) e faleceu em Indaiatuba (SP), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Moisés, Larissa Miranda. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 16 de setembro de 2020.