Sobre o Inumeráveis

Natanael Sipriano dos Reis

1962 - 2020

Só para implicar amorosamente com a esposa, falava pros netos a chamarem bem enquanto ela estivesse lavando louça.

Natanael foi muitas coisas na vida: uma criança travessa, um avô afável, um marido carinhoso, um pai gentil, um amigo fiel. E para cada um de seus papéis existe uma história, escrita com o bom humor que o acompanhava onde quer que fosse. Era assim desde a infância, como dedura a filha Beatriz: “Ele era cheio de história para comer quando era pequeno. Não aceitava comer frango com osso, somente o peito. E meus tios ficavam muito revoltados com isso, porque só ele podia comer a melhor parte; daí eles brigavam porque ele era o mimado”.

Para os netos, ensinava sobre plantas, pássaros, a cantar e a rezar assim que eles acordavam e corriam direto à procura do Vô Téo. Natanael também garantia que as travessuras fossem passadas de geração em geração; não perdia tempo em revelar sua famosa técnica de “tirar foguinho”, ou seja, dar um peteleco nas pessoas desavisadas.

A maior vítima de suas pegadinhas (de amor) era a esposa. Desde que se conheceram, no trabalho, as brincadeiras e implicâncias foram o seu jeito de demonstrar carinho por ela. Como conta Beatriz: “Ele falava para os netos pularem nela quando ela estivesse deitada, para ficarem chamando por ela quando estivesse lavando a louça... Mas o que eu mais me lembro é dele mesmo indo implicar com ela. Ele a beijava e ela falava ‘para, bem’”. Natanael fazia de tudo para estar sempre ao seu lado: ajudava a esposa a cuidar das criancinhas do bairro e ligava o tempo todo para saber quando ela chegaria em casa.

Com seus filhos do coração, moderava um tiquinho o jeito travesso para ser o pai ajuizado e conselheiro que era. Esperava pelo momento exato de falar seus pensamentos e quando o fazia era certeiro! Assim ele expressava seu amor, através dos pequenos atos; como ir longe de casa apenas para comprar uma certa marca de achocolatado porque um dos filhos só gostava do leite com aquele. Claro que, apesar disso, não escapavam de suas piadinhas, como recorda a filha: “Ele me ensinou um caminho novo pra ir da escola pra casa, e era por um morro no meio de uns matos. Era bem mais rápido, mas eu era mole e ele ficava rindo de mim”.

Tanta simpatia também o acompanhava no trabalho de cuidar das plantas pela cidade. E já era tradição entre os colegas: toda sexta-feira sem falta Natanael levava um pouco de álcool e dava um jeito de acender a churrasqueira improvisada para aproveitar bons momentos com os amigos. Era esse o seu jeito de levar a vida, procurando alegria nas pequenas coisas sem nunca demostrar tristeza. Tanto que não se deixou abalar mesmo quando perdeu o emprego, sabiamente se mantendo forte e em busca de novos rumos.

Muito dessa força vinha de sua fé. Criado pela mãe religiosa, sabia as datas dos dias designados para cada um dos santos e rezava pontualmente para todos no dia correspondente. Mesmo que preferisse praticar a religião sozinho sem frequentar a igreja, não perdia uma missa pelo celular, nem um hino pela rádio. Assim, quando eventualmente a tristeza dava as caras, corria a escutar suas músicas religiosas e logo voltava a brincar com as crianças e a esposa.

Isso era o que colocava um sorriso em seu rosto. Nas palavras da filha: “O que ele mais gostava de fazer era assistir a vídeos de cobra no celular — tinha um gosto peculiar por Discovery Channel e Animal Planet —, namorar a minha mãe, ligar para os parentes e passear com o primo Cleidson”.

Esse era Natanael em sua essência e todas as travessuras e histórias que a compõem serão sempre lembradas.

Natanael nasceu em Tarumirim (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 57 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Natanael, Beatriz Taciana dos Reis. Este tributo foi apurado por Brenda de Oliveira Teixeira, editado por Brenda de Oliveira Teixeira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 24 de janeiro de 2022.