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Nelsina de Sant Anna Costa

1935 - 2020

Apaixonada pela vida, virou referência de luta pelos ideais e de determinação para realizar sonhos.

Algumas pessoas levam anos e mais anos para adquirir a sabedoria que Dona Nelsina esbanjou em sua vida. Izabela conta que a avó "era uma feminista do seu tempo" ainda que não soubesse disso. A constatação da neta surgiu da postura guerreira de Nelsina, uma mulher que sempre lutou pelo que achava justo e que nunca deixou de correr atrás de seus sonhos.

Teve coragem para enfrentar os problemas e persistência para alcançar seus objetivos. Determinada e ancorada na honestidade, que foi uma de suas marcas, chegou ao posto de chefe de escritório como contadora, mesmo tendo estudado só até a 4ª série. Era tão consciente do que queria para si que se casou, mesmo quando seu pai disse "não", por entender que uma de suas irmãs deveria se casar primeiro.

Para Nelsina, não existia isso de falarem que ela não poderia fazer algo! Assim, o escolhido para uma vida de companheirismo foi o sr. Célio, um alfaiate de mão-cheia. Estiveram lado a lado por trinta anos de matrimônio e a união só foi interrompida porque ele precisou descansar ― hoje, os dois encontram-se juntos mais uma vez, especialmente nos corações dos filhos Soraya e Wagner, dos netos Izabela, Wagner Luis, Rodrigo, Paula e Frederico, e de muitas outras pessoas.

O casal se conheceu em um dos bailes que ela tanto gostava de frequentar durante a adolescência e o início da vida adulta. As lembranças desses momentos eram tão alegres que Nelsina nunca as esqueceu. Mesmo quando a mente começou a falhar por causa do Alzheimer, a paixão pelos bailes de outros tempos era expressa frequentemente nas conversas com a família.

Com o tempo e o avançar da idade, a dança foi ficando de lado. Mas Dona Nelsina seguiu fã de Altemar Dutra e não houve problema de memória que a tenha feito se esquecer das letras e deixar de cantar vários dos boleros que serviram de trilha sonora para a sua juventude.

Ela também nunca se esqueceu da viagem a Paris, feita já aos 80 anos, na companhia do filho. Izabela conta que a avó "enchia a boca" para falar sobre este que foi só mais um entre os feitos que levam a neta a constatar que a avó pôde viver várias coisas que desejava graças ao seu jeito de ser. Nos anos 90, quando o neto Wagner nasceu, a avó coruja foi sozinha de ônibus para Florianópolis só para conhecê-lo. Era imparável. Por tudo isso, se tornou referência de força, coragem e também de amor pela vida. Dona Nelsina era apaixonada por tudo, especialmente pela própria vida.

Por muitos anos, além de morar pertinho da filha Soraya, do genro Bira e de três de seus netos, Nelsina teve ainda a companhia de seu papagaio de estimação, o "lôro". Convivendo com uma família que tem o hábito de falar alto, lôro não teve problemas para aprender suas imitações. Sabia repetir a forma de falar de sua dona e até sua gargalhada característica. Quando o xodó de Nelsina se foi, ela demorou a entender sua partida, mas talvez a gradativa perda de memória a tenha ajudado a lidar com a ausência.

O declínio de algumas funções, que mantinham a mente de Dona Nelsina perfeitamente lúcida, acabou por reservar à família uma acalentadora contrapartida. A mulher que, agarrada ao seu senso de independência, não era dada à demonstrações de afeto, amoleceu o coração e passou a retribuir abraços, aceitar beijos e compartilhar muitos "eu te amo".

É por isso que Izabela sempre se lembrará com muito carinho dos momentos mais especiais: aqueles em que pôde abraçar e beijar a avó declarando todo seu amor. Por tanto carinho e cuidado, Dona Nelsina fez questão de expressar sua gratidão. Antes de partir, também pôde dizer à filha Soraya que a amava, se fazendo valer mais uma vez da sabedoria de quem sabe aproveitar as oportunidades.

Nelsina foi uma mulher de espírito livre. Se o Alzheimer apagou parte de suas lembranças, não há o que seja capaz de apagar sua imagem de mulher forte, alegre e inspiradora que está gravada nos corações dos seus.

Nelsina nasceu em Belo Horizonte (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Nelsina, Izabela Santana. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Reis, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 8 de novembro de 2020.