1929 - 2021
Amava as reuniões de família, como as dos seus aniversários, festejados com banho de piscina ou de espumante.
Neuza criou e foi criada. Para ajudar os pais que trabalhavam na roça, os seis irmãos da família se apoiavam uns nos outros. Os mais velhos iam cuidando dos mais novos como a vida lhes permitisse. Crescida nos apegos da irmã, Neuza chegou a adoecer quando a moça se casou. Sentia saudades. O cunhado, português generoso, levou a menina para morar com o casal.
Mas a independência também lhe deu seus sinais a certa altura da mocidade. Neuza começou a ganhar os primeiros trocados como empregada doméstica. De estatura pequena, subia num banquinho à beira da pia para lavar a louça. Aos poucos, aprendeu a costurar por conta própria e fez desse ofício o sustento próprio e da família que viria a formar com Camilo, seu primeiro e único namorado, a quem conheceu como chefe numa fábrica de roupas masculinas. O casamento não lhe trouxe felicidade, mas lhe rendeu o amor dos filhos Enéas, Beatriz e Ricardo. O marido era alcoólatra, e Neuza passava horas a fio entre tecidos, linhas e agulhas para embelezar as damas com as peças de alta costura que produzia. “Eu era pequena e ia com ela aos ateliês”, relembra Beatriz. Sempre à frente da máquina de costura, conseguiu estudar os filhos até obterem o diploma universitário. Depois construiu a casa própria, com a ajuda do mais velho, que já havia se formado engenheiro. Por ironia do destino, a viuvez aos 54 anos foi sua libertação. Recebeu de volta toda a bondade e generosidade que havia distribuído à prole. Os três, com a estabilidade financeira conquistada, encheram a mãe de conforto, passeios, viagens e bem-viver. Neuza tinha um quarto reservado na casa de cada um, embora Ricardo, por questões de saúde, vivesse com ela até que a morte prematura dele os separasse de vez.
Neuza rodeou-se de plantas e de carinhos. Os netos Hugo, Victor e Carolina também a paparicavam com agrados. O mais novo a elegeu como madrinha de formatura na Marinha e fez questão de realizar o desejo da avó em aplaudir Roberto Carlos de perto. O mais velho lhe possibilitou o título de bisavó, apesar de ela não ter conhecido as duas bisnetas. Os natais eram outra ocasião de festa e felicidade para Neuza. A data marcava seu aniversário e ela se tornava o centro das atenções no encontro da grande família. Levava um banho de piscina ou de espumante para comemorar, como inclusive aconteceu na celebração dos seus 90 anos. Ela adorava a bagunça e transbordava de alegria.
Gostava das reuniões, mas não da cozinha, embora preparasse “o melhor bife a rolê da vida”, na opinião de Beatriz, que elegeu o prato como seu presente de aniversário certa vez.
A filha diz nutrir uma saudade crescente, sente falta da mãe, da companheira de todas as horas, da amiga, do porto seguro. Beatriz conta que escolheu uma estrela no céu para conversar toda noite como se fosse sua amada Neuza. E se declara: “cada dia sem você é uma ferida aberta em meu coração. Sinto como se nunca mais pudesse voltar a ser plena e feliz, porque já não tenho você comigo. Sinto uma dor diária. Um buraco no peito. Um oco na minha vida. Com você aprendi que o amor dividido é o amor multiplicado, que a bondade deve ser praticada todos os dias nos menores gestos, que preconceito é palavra feia e injusta. Você tinha uma sabedoria que vinha da alma. Toda noite vou dormir pensando em sonhar com você. Abraço o travesseiro que era seu como se abraçasse seu corpo e sugo seu cheiro até a última gota. Queria tanto ter você de novo aqui, mãe, mas precisei aprender que guardá-la em minha saudade diária é também caminhar junto. Te amarei por todos os dias de minha vida!”.
Neuza nasceu em Conceição de Macabu (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 92 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Neuza, Beatriz Moro. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 4 de julho de 2023.