1933 - 2021
Inesquecível aquele Natal em que ele comprou um gravador de segunda mão e deixou tinindo para dar de presente às netas.
Ele foi e continua sendo uma inspiração. Com a esposa Eda, formou a sua família. Primeiro, vieram os filhos: Maria Alice e Mário. Deles, quatro netos: Juliana e Tainá, filhas do primeiro casamento de Maria Alice que foram criadas junto dos avós; Hugo, filho de Mário; e Alice, filha do segundo casamento de Maria Alice.
O primeiro encontro de Norberto e Eda aconteceu no comércio do bairro de Campo Grande, no Rio de Janeiro. Passado um tempo, ele costumava ir de bicicleta até a casa dela, nas Capoeiras. Como ela cantava no coral da igreja, passaram a se encontrar na Festa de Sant'Ana.
Essas histórias foram contadas diversas vezes pelos dois para os filhos e netas. Sabem que Norberto pediu ao pai de Eda para namorá-la. Veio o noivado, também com a participação da família dos dois. Na mesma igreja do início da relação, subiram ao altar para o casamento, em 29 de Novembro de 1958.
O casal foi morar no Centro de Campo Grande. Por mais de 50 anos, viveram em união. Chamavam-se, carinhosamente, de “Bem”. Para celebrar com os filhos, nas Bodas de Ouro, renovaram os votos na Igreja de Sant'Ana, “Importante marco dos dois e da nossa família”, recorda Maria Alice. Foi uma linda festa! “Os dois dançaram, cantaram e emocionaram todos os presentes em uma linda missa na qual trocaram alianças novamente”, conta Juliana.
Por mais de cinco décadas, a casa de Norberto e Eda acolheu muita gente. Além disso foi lá que moraram, por um tempo, os pais de Eda e o seu irmão Nino, um rapaz muito querido, com Síndrome de Down. O casal proporcionou a todos os parentes toda a segurança e o apoio de que precisavam.
Para escrever este Tributo, Juliana, sua neta mais velha, convidou suas irmãs Tainá e Alice, seu primo Hugo, sua mãe e seu tio Mário a recordarem momentos vividos ao lado de seu avô. Norberto constantemente buscava aprender algo novo, tinha sempre muitos e diferentes interesses. Estava incessantemente disposto a dar apoio e a incentivar filhos e netas a trilharem o próprio caminho.
“Me ensinou a andar de bicicleta, a dirigir e geralmente falava, com brilho nos olhos, sobre a importância de se realizar os sonhos, desejos, com perseverança e responsabilidade”, diz Juliana. Muito próximos e amigos, conta que tinham o hábito de ler os jornais juntos aos domingos, caminhar na praia, lado a lado, muitas vezes em silêncio, porém com a certeza de estarem um com o outro.
Acrescenta que recebeu do avô o estímulo para sua formação intelectual. Vieram a Graduação em Geografia, o Mestrado e o Doutorado no Exterior. No início de sua Faculdade na UFRJ, Norberto acordava com a menina de madrugada e a acompanhava ao ponto de ônibus, todos os dias, esperando até que o ônibus chegasse. Depois, quando já não morava em Campo Grande, ele costumava encontrá-la no final de seu dia de trabalho no Centro do Rio, para uma ida ao Paço Imperial ou ao CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil.
Assim foi, inclusive com Tainá, quando ingressou na Uni-Rio. Lá ia o avô novamente acompanhar e estimular a neta a se formar na carreira que havia escolhido. Na vida em família, Norberto foi apresentando para filhos e netos o valor da cultura. Adorava desenhar caricaturas, cantarolava Frank Sinatra, gostava de Bossa Nova e de Música Erudita. Juliana e Tainá se lembraram do cotidiano em casa, dos Discos de João Gilberto e dos passeios a museus, feiras literárias e livrarias.
O filho Mário, por sua vez, recordou o interesse do pai pelo Céu, pelas Estrelas e Cometas. Tinha binóculos, telescópio e não foram poucas as vezes em que todos acordavam à noite para olhar o céu juntos, sobretudo em noites de eclipse ou da passagem de algum cometa.
Conta que Norberto era um apaziguador. Chegava a apartar brigas de meninos na frente de casa. Ao observar o jeito do pai e a facilidade em lidar com as pessoas e momentos de dificuldade, um dia falou: “Pai, o senhor devia ser advogado, é muito bom na mediação”. Bastou. Norberto foi prestar vestibular para Direito aos 50 anos. Formou-se e advogou até o final da sua vida.
Antes de se formar, dedicou-se ao conserto de radinhos de pilha - era um colecionador -, atividade essa que exercia em paralelo ao trabalho como funcionário da Cedae, Companhia de Saneamento e Tratamento de Água do Rio de Janeiro. Para garantir o bem-estar da família, era comum que ele fizesse plantões, mesmo que isso significasse estar ausente em celebrações. Todavia, sempre que possível, encontrava um meio de se fazer presente.
Em um desses plantões, era Dia de Natal. As meninas haviam pedido de presente um gravador e toca fitas. Ele comprou um de segunda mão, consertou e deixou o gravador na árvore de Natal com uma fita cassete gravada. “Aquilo nos marcou imensamente: ouvir a voz dele na Noite de Natal, explicando que não poderia nos entregar o presente, porque estava trabalhando. Escutamos, naquela noite, inúmeras vezes essa fita gravada, com muitas saudades dele por não ter podido estar conosco. Me emociona a lembrança desse Natal”, relembra a filha Maria Alice.
Era um homem de bem com a vida. Afetuoso e animado, habitualmente chegava contando novidades. Na infância das meninas, contava histórias, como a da plantinha que dançava e a famosa da “Festa na Floresta, no tempo que os bichos falavam...”. À medida que cresciam, já adolescentes, ouviam sobre artes e música.
Gostava de torcer para o seu Time do coração, o Flamengo. “Quando ganhava, ele tinha um assobio característico, que se fazia ouvir em toda a vizinhança”, conta Maria Alice, a quem o pai carinhosamente chamava de Corujinha, por ter os olhos azuis como os dele. Ela lembrou que, em uma de suas internações, era jogo do Brasil. E que quando o Brasil fez um gol ele deu um assobio no hospital que assustou e ao mesmo tempo, contagiou todo mundo.
Assim foi o marido, o pai, o avô Norberto. Um homem presente, que enfrentou as dificuldades buscando soluções com entusiasmo, criatividade e otimismo.
No final de sua vida, já viúvo, conheceu Dona Angelina, com quem conviveu nos últimos anos. Em 2020, a família praticamente não se encontrou, para proteger o avô. Entretanto um encontro especial foi promovido. Protegido por máscaras e uma proteção plástica, Norberto teve a oportunidade de ver a neta Tainá grávida. Ele não poderia deixar de transmitir à bisnetinha Helena, que conheceu, o amor imenso que tinha para dedicar.
Teve o privilégio de conhecer três bisnetos: Pedro, filho de Alice, a neta mais nova; João, filho de Juliana e Helena, a bisneta caçula, filha da neta Tainá. “Esse foi nosso queridinho, que eternamente será nossa inspiração”, frisam: Maria Alice, Mario, Juliana, Tainá, Alice e Hugo.
Norberto nasceu em Bauru (SP) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 89 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Norberto, Juliana Nunes Rodrigues. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Patrícia Coelho, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Ana Macarini em 16 de fevereiro de 2022.