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Odécio Correia

1938 - 2020

Durante trinta e cinco anos presenteava a esposa com o mesmo chocolate; passou a fazer o mesmo com a filha e a neta.

Durante a infância e na condição de irmão mais velho, Odécio amava fazer traquinices com a irmã Célia, chegando ao cúmulo de colocá-la sentada sobre um formigueiro e também de colocar sua cabeça dentro do vaso sanitário! Além de ser travesso com a irmã, aprontava das suas cabulando aulas para caçar passarinhos.

Conheceu Lena no local de trabalho onde ela era responsável pela copa e pelo café. Começaram a namorar e ele a presenteava todos os dias com balas e com um determinado chocolate, num costume que perdurou por gerações, pois, mais tarde, a filha Fernanda e a neta Gabi também ganhavam esse mesmo presente. Generoso, não se esquecia de dar-lhe flores e cartões quase todos os meses.

Os dois foram casados durante trinta e cinco anos, e a diferença de 20 anos que possuíam na idade equilibrava a relação já que Lena era mais brava e ele a serenidade em pessoa. Nada o fazia perder a calma: cinco minutos após uma discussão ele já estava com um sorriso no rosto. Gostavam muito de descansar e curtir um bom cochilo juntos, mas também não deixavam de aproveitar a praia, aos sábados e domingos, e a casa da filha Fernanda, que visitavam três ou quatro vezes por semana.

Como um grande apaixonado, nem na velhice deixou de andar de mãos dadas com Lena e, aos 80 anos, ainda fazia de tudo em casa. Cozinhava, lavava as roupas e ia ao mercado, cultivando a mania de procurar ofertas!

A filha Fernanda recorda, com muito amor e saudade, que ou pai lhe ensinou a comer uma sopinha que ninguém tinha coragem de experimentar: “Ele preparava a sopa quase que diariamente para mim, mesmo depois de crescida. Os ingredientes eram: pão picado, requeijão, queijo fresco cortado em cubinhos, bolacha de maisena em pedaços, açúcar e café com leite, e ainda tinha a dica: “Mistura tudo e seja feliz!” E Fernanda comia tudinho, pois amava essa sopa de seu pai, bem como a neta Gabi, que também se tornou apreciadora.

Fernanda relata também: “Eu conheci meu marido no estádio do Corinthians e meu pai achou o máximo, porque quando ele chegava em casa, meu pai não deixava a gente namorar, queria falar do Corinthians o tempo todo com ele...”

As netas Gabriella e Rafaella foram os amores da vida de Odécio, ou Pipo, como gostava de ser chamado por elas. Enquanto Fernanda e Lena trabalhavam durante o dia, o avô coruja cuidava de Gabriella depois que ela chegava da escola. Era ele quem a buscava, trocava fraldas, dava comida e brincava. Um avô apaixonado, que conviveu só um pouquinho com Rafa, porque faleceu um mês após o seu nascimento. Para ela, ficarão as lembranças e os relatos da família sobre o avô carinhoso e extraordinário que foi o Pipo!

Pipo e Gabi formavam uma dupla de serelepes! A neta considerava o avô como um pai. Brincavam de cantar de uma maneira engraçada, de propósito para irritar Lena. Também iam a uma loja de doces para comprar guloseimas quase que diariamente, o que deixava Fernanda de cabelo em pé! E gostavam de passar o tempo jogando dominó.

Odécio, que também era conhecido como Sr. Décio, trabalhou praticamente a vida toda instalando telefones fixos, desde aquela época em que as linhas telefônicas valiam uma fortuna. Quando sua esposa Lena estava grávida de Fernanda, chegou a vender uma linha para pagar o parto.

Nas horas livres, como um bom apreciador de futebol e torcedor do Timão, assistia a todos os jornais esportivos, tanto de canais abertos, como de canais fechados. Não perdia um jogo sequer e esta era a paixão com a qual conseguiu fazer com que todos da casa se tornassem torcedores do seu time do coração. Assistiam aos jogos na sala de casa ou então no próprio estádio do Pacaembu e na arena do Corinthians, e Fernanda guarda com muito amor as fotos que retratam esses dias.

Como cozinheiro da família, cozinhava diariamente pratos triviais. Mas quando era preciso fazer um bolo, uma lasanha ou feijoada, ele passava a vez para outro familiar. Apaixonado por doces, precisava controlar suas vontades porque, infelizmente, era diabético. A filha conta que quando ele olhava para um bolo, parecia uma criança e até mexia as mãos insinuando que queria um pedaço.

Como homem de muita fé, Odécio rezava em todas as suas refeições, ao dormir e ao acordar e a filha, que admirava esse costume do pai, faz questão de enfatizá-lo.

Em retribuição a todo amor que espalhou durante a vida, Odécio foi muito amado e cuidado.

Odécio nasceu em Mococa (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Odécio, Fernanda. Este tributo foi apurado por Luisa Pereira Rocha, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 28 de março de 2022.