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Ondina Moraes dos Santos Valencise

1948 - 2020

Sincera e de humor peculiar, era uma mulher que refletia a força e a beleza do mar.

O mar vem à terra e dá volta, em ritmo forte de tecer nó e puxar, marcando pelas ondas um tempo único. De nome que levou à risca, Ondina era a própria força que se desenrolava sobre os seus, dedicando-lhes amor e sabedoria como filha, irmã, amiga, esposa, mãe e avó.

Mulher que dava sopro de vida às palavras "força" e "beleza", inundou de coragem as batalhas que travou. Mesmo quando menina, sempre foi tempo de se fazer guerreira. Com vida ritmada pelas constantes mudanças, achava no seu jeito único o ânimo para a próxima vitória.

Não apenas se assemelhava às ondas, como parecia levar consigo a sabedoria de quem as navega. Isso, porque era uma verdadeira contadora de histórias, guiando-se pelos percalços e pelas felicidades de uma vida para conseguir dizê-la aos mais novos.

Lembrava-se em voz alta da infância de brincadeiras na pequena cidade de Torrinha. Embora trabalhasse na roça, dizia sobrar tempo para sua diversão de menina. Recordava-se da grande família, composta pelos pais, os 13 irmãos e mais alguns primos que moravam ao pé da serra.

Se Torrinha não parecia ter deixado passagens tristes em sua memória, São Paulo da década de 1970 a encantou de tal modo que se compôs uma metrópole inteira em seu pensamento. Detalhadamente descrevia um teatro que observava após dobrar uma esquina da lembrança. E com outros tantos detalhes, falava sobre a comida e os costumes de uma mesa à qual ainda se sentava em recordação.

Em uma terceira parte de sua vida, foi farol para aqueles ao redor. Após seu casamento com o então jovem Francisco, no ano de 1975, fez-se mãe de seis crianças. Onda que marcava o tempo da maré, criou-as e as educou com dignidade, apesar da pobreza e dificuldades que viveram nesse período.

Conforme cresceram e seguiram suas vidas, os filhos não deixaram de recorrer a ela, agora fortaleza para os cinco netos.

A partir de maio de 2018, Ondina viveu algumas tempestades, como lembra a filha Raquel. Mesmo com os rins comprometidos, reagiu com sua força guerreira e manteve a esperança até a alta necessária para retornar à casinha no sítio, que tanto se orgulhava e amava em ter. Surpreendendo a equipe médica, vezes sem conta venceu as internações e os impasses contidos na longa viagem até a Santa Casa de Jaú, local que promovia seu cuidado.

Em sua casa passou seus últimos momentos, fazendo o que mais gostava. Hoje, no mar da memória de muitos, mantém-se como admiração, exemplo e amor incondicional.

Ondina nasceu em Torrinha (SP) e faleceu em Jaú (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Ondina, Raquel de Paula Valencise. Este tributo foi apurado por Samara Lopes, editado por Maya Matta Lopes, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2021.