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Ormeu Soares da Mata

1964 - 2021

Cheio de sonhos, da paz e de uma fé inabalável. Tudo que incomodava dizia: 'Deixa pra lá'; e deixava mesmo.

Ele era um leitor ávido e herdou essa característica da avó Rute, a quem amava muito. Leu quase a coleção toda de "Cavalo de Troia" e devorou o livro “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves. Dizia o tempo todo à esposa como ela iria gostar e, ela realmente se apaixonou pela obra, devororando-a assim como ele havia feito.

Inteligente, estava sempre atento às notícias e podia conversar sobre qualquer assunto, pois sabia um pouco de cada coisa aprendida com suas leituras. Amava tecnologia e conseguia até resolver problemas no computador.

Para ele, sua família era seu maior bem e vivia com maestria os papeis de pai, esposo, filho, irmão, cunhado, sobrinho, tio... Amava incondicionalmente a esposa e a filha e se orgulhava de tudo que elas faziam.

Sempre apaixonado pela esposa, estendia um tapete vermelho para ela passar, fazia tudo que ela pedia e gostava muito de presenteá-la em datas especiais e, tentando agradá-la, atormentava a filha para ajudá-lo quando não tinha nenhuma ideia brilhante.

A filha era o seu maior orgulho. Ela formou-se em Direito e quando ele e algum amigo tinham alguma dúvida nessa área, não se fazia de rogado... consultava a nova doutora na maior confiança e empolgação.

A esposa Maria Aparecida fala de como era bonita a relação deles: “Ele carregava água na peneira para ela. Se a mãe estivesse brava com ela, ele logo levantava todo atencioso e ia até ela oferecer alguma coisa. Se ela estivesse nervosa com o TCC,  logo chegava com voz mansa pedindo para ficar calma que não ia adiantar o desespero e logo já estava do lado tentando ajudar. Adorava contar a ela os seus sonhos e era lindo vê-lo de braços cruzados para atrás indo ao quarto dela dizendo: “Ô Lu…”.

Trabalhador, responsável e comprometido ao extremo com seus deveres. Atuava no comércio, mais especificamente de padaria e prezava muito a pontualidade. No serviço era uma pessoa muito querida pelos colegas e, não só eles, mas também clientes e fornecedores enviaram mensagens de carinho, espantados com sua partida ou se fizeram presentes para relatar alguns episódios e darem boas risadas.

Era uma pessoa caseira, gostava de cozinhar coisas diferentes. Amava comer e tudo era motivo para inventar uma celebração,  preparar algo especial ou pedir pizza. Por fim, sempre que conseguia perder 5 quilos, dizia que precisava fazer uma lasanha para comemorar.

No dia da folga do serviço ficava ouvindo música internacional romântica dos anos 60, 70 e 80 e, logo após o almoço, deitar, dormir e, se fosse dia chuvoso aí sim, estava realizado.

Adorava maratonar séries, de preferência sobre cavalos e tinha a mania de procurar informações e ler sobre os próximos episódios. “Tanto que já sabia que o Ty ia morrer no próximo episódio de Heartyland, mas ele morreu antes e eu assisti depois de algum tempo, emocionadíssima.”

Gostava de escrever, tinha uma enorme sensibilidade e isso fazia com que suas poesias fossem lindas. Possuía a mania inusitada de andar com as mãos para trás.

A esposa e a filha adoravam inventar coisas não habituais, e ele se deslumbrava feito criança com coisas tão simples, como passeio, sair para comer no Coco Bambu, pizzaria e viagens o deixavam em êxtase de felicidade, deslumbramento e admiração.

“Como ele aproveitou os 12 dias que passamos por três Estados no Nordeste e ele comentava de uma forma tão simples que era encantador ver, ouvir e sentir sua alegria! Com seu jeitinho de encantar-se pelas coisas, comemorou o último aniversário da esposa conhecendo o famoso restaurante Coco Bambu, e nesse dia sua felicidade era contagiante”, conta ela.

Em 2018 formou-se em agronegócio pelo Senar. Sua felicidade na formatura era imensurável e tudo ficou registrado no Instagram.

Cuidar da roça era seu maior sonho e no dia que foi internado no CTI, seria seu último dia de serviço, porque havia pedido demissão para retornar a terra natal para realizá-lo.

Seu amor por bois era grande e, em 2021, já havia comprado um par de botas novas para ir à Expozebu, em Uberaba, onde se encontraria com os amigos, que assim como ele, eram apaixonados pela raça Indubrasil.

Nascido no interior de Minas Gerais e se mudado para Belo Horizonte só depois de casado. “Eu o encontro em cada lugar dessa cidade. Em cada lugar uma história, afinal foram 28 anos vividos aqui”, diz a esposa.

Ela conta que ele “gostava muito de viver (refugiar-se) no seu mundo, que eu dava o nome de "estar na bolha", mas também de estar perto, presente em tudo que era possível”. Conservou-se homem cheio de sonhos e de paz quando repetia um “deixa pra lá” quando algo o incomodava e deixava de verdade.

“Soube amar nos detalhes, não era muito dado ao carinho com toque físico, mas se pudesse servir, era com ele mesmo. Os bebês amavam estar no colo dele. Aconchegavam-se e dormiam um soninho mais tranquilo do mundo”.

Dono das melhores piadinhas, não perdia oportunidade de inventar alguma e repetia sempre uma em que deveria “fazer as unhas” como a filha e a esposa para não ter que arrumar a cozinha.

“Era dono também de uma fé inabalável em Deus e Nossa Senhora e sempre nos dizia: se você pediu a Deus, descansa, confia, Ele resolve. E dessa forma foi o nosso encontro de almas, e é o que nos mantém de pé até hoje. Saber da sua confiança em Deus. Com certeza foi em paz”.

Ormeu nasceu em Piacatuba (MG) e faleceu em Belo Horizonte (MG), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa de Ormeu, Maria Aparecida de Castro da Mata . Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Larissa Reis em 28 de dezembro de 2023.