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Osemar Rodrigues

1963 - 2021

As pescarias eram uma verdadeira terapia para Osemar, e o ato de fisgar ou não algum peixe não passava de um detalhe.

Filho de dona Maria Noêmia e seu Faustino. O menino cresceu na casa do pai. Na simplicidade em que foi criado, ele tornou-se um homem solidário e batalhador; conseguia relativizar problemas que para muita gente seria um grande drama. A filha, Lisandra, conta que certa vez foi buscar conselhos com o pai sobre uma situação desafiadora em seu primeiro emprego.

Estava insatisfeita com o tratamento que recebia no salão de beleza, sua fonte de renda para auxiliar no orçamento doméstico; ela pensava em abandonar o trabalho. Contudo, Osemar aconselhou-a a refletir sobre o fato de que em muitos momentos a vida exige paciência, e que: “Nada é sempre como a gente quer”; que deveria ignorar determinadas situações e continuar trabalhando, focada em sua missão naquele local.

E não era só com os de casa que ele vivia atento e disposto a ajudar. A filha relembra que ainda muito pequena presenciou ajuda do pai a dois amigos que acabaram se envolvendo com o uso de substâncias química; Osemar recorrentemente comprava cestas básicas para os dois. Com um detalhe, no momento em que ia fazer as compras levava-os e aproveitava o tempo em que estavam juntos para aconselhá-los, tentando fazer com que deixassem o vício.

A vizinhança sabia que podia contar com ele. Uma vez, chegou a levar uma vizinha em trabalho de parto para a maternidade e a criança nasceu bem. Por falar nisso, constantemente dedicou um carinho especial às crianças. Certa vez, percebendo o olhar desejoso de uma menina diante da bicicleta nova da filha, decidiu comprar uma usada, em bom estado, e dar-lhe de presente. A retribuição, como não poderia deixar de ser foi um lindo sorriso e muita alegria no pedalar pela rua.

Outro modo de agradar a criançada eram os retalhos de biscoitos comprados numa fábrica que ficava nas redondezas. Com frequência, ele comprava sacos enormes e distribuía entre a meninada, que em meio à fartura da guloseima se fartava alegremente.

No campo profissional, Osemar era Supervisor Mecânico em uma empresa terceirizada que presta serviços para uma grande empresa petrolífera. Suas atividades envolviam o manejo de tubulações e engrenagens utilizadas na produção de petróleo. O emprego tornou-se possível graças a um Curso de Mecânica custeado pelo pai, Faustino.

Foi casado durante dezenove anos com Sandra, com quem gerou Lisandra e Marcos Vinícius. Num segundo casamento com Márcia, teve Mateus. Durante todo o tempo, proporcionava a convivência dos irmãos, que juntamente com o pai desfrutaram de bons momentos.

Osemar ensinou a Lisandra a iniciativa de incentivar os filhos a estudarem. Ele habitualmente falava sobre a importância de sempre aprender coisas novas para que pudessem ter uma vida melhor. Conta, agradecida, que o pai se empenhou em colaborar para que ela pudesse seguir no Curso de Fisioterapia. A sua falta afetou o prosseguimento, que precisou ser interrompido, a apenas um período do final. Na lembrança dos conselhos dados, segue empenhada em viabilizar a conclusão de sua graduação.

Um negro forte que gostava muito de feijão e café, dono de um belo sorriso no rosto, gostava de ouvir Samba, tendo como seu compositor predileto Jorge Aragão. Depois que tornou-se evangélico, ouvia preferencialmente Músicas Gospel. Na hora da escolha de filmes para assistir, não tinha dúvidas, os preferidos eram os de ação.

O baiano que tinha mar até no nome, gostava mesmo era de pescar. Muito frequentemente, rumava para as praias baianas do Conde e Subaúma. Antes da viagem de cerca de três horas, preparava caixas térmicas, iscas, varas e o jereré (um instrumento que, com uma pequena rede em formato de funil presa a um aro, é usado na pesca de crustáceos).

Em regiões de encontros de rios com o mar, ele curtia a pescaria. Em muitos momentos, junto com ele, iam os filhos Lisandra e Mateus que aproveitavam os banhos de mar e água doce, em pequenas quedas d’água. Osemar chegou inclusive a experimentar a pescaria em alto mar. A convite, embarcou no barco do amigo e chegou a passar dois dias inteiros na imensidão das águas azuis. Contudo, o balanço do mar não fazia bem ao seu estômago. Foi em função do mal-estar dele que Gicélio precisou retornar à praia. Um tempo depois fez mais uma tentativa, porém acabou desistindo e preferiu pescar somente na praia.

Importante dizer que a pescaria era uma espécie de terapia para Osemar. Ali, às margens da praia, no encontro do verde da vegetação, do azul celestial e da água azul com espumas brancas ele passava, às vezes, o dia todo lançando a vara, mesmo que não pescasse nada. Quando o acaso permitia que fisgasse uma pescada branca, um bagre ou um vermelho, ele ficava feliz. Todavia se não desse em nada a felicidade também acontecia. Na solidão do mar e no movimento das águas, ele aproveitava para organizar as ideias e recompor as energias para seguir vivendo.

Da mesma forma, à espera de peixes, Lisandra viveu um importante momento com o pai. Ela estava de namoro novo e queria contar sobre o relacionamento; ela estava insegura sobre qual seria a reação do pai, pois era seu primeiro namorado. Ele ouviu tudo com muita atenção, e em seguida, a apoiou dizendo que já era uma moça madura para fazer suas escolhas. Com cuidados de pai amoroso, quis saber mais sobre as características do rapaz que fisgara o seu coração. Recomendou que observasse bem o comportamento do jovem, principalmente em casa. Explicou que o modo como ele tratasse a mãe, seria o mesmo destinado a ela, num eventual casamento.

Osemar segue vivo no sem tempo do mar e no contínuo movimento das ondas das praias e na pronúncia de “S” com som de “Z” comuns aos nomes dele e da filha.

Osemar nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 53 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Osemar, Lisandra Carvalho Rodrigues. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Magaly A. da S. Martins e Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 6 de março de 2022.