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Osmar Felipe da Silva

1948 - 2021

A Medicina foi sua missão, os pacientes eram seus amigos verdadeiros, tão profunda era sua dedicação.

Osmar parecia ser uma pessoa muito quieta num primeiro momento. O semblante sério, no entanto, era só fachada; por trás da aparente reserva havia a alma de quem amava fazer piada e um homem generoso que logo abria o sorriso e oferecia sua melhor risada com um pouco mais de tempo de convivência.

Descrito pelas filhas como um homem forte, conservador, sonhador, amigo, batalhador e de coração grande, o médico era apaixonado pela família e foi o herói de Amanda e Mariana, para quem a figura paterna significava o verdadeiro porto seguro.

"Ele era meu apoio quando a vida ficava difícil, me dava a mão e me ajudava a encontrar a saída, mostrando por onde seguir. Sempre foi assim.", conta Amanda. Como avô, ela diz que Osmar ofereceu o colinho mais quente para os netos, a quem se referia carinhosamente de "meus bregogés". Na gestação, os bebês eram chamados de mistério pelo avô, quando fazia a ultrassonografia na filha. O médico participou do parto de todos eles e contava ter sentido dor de barriga nas ocasiões, de tanta emoção.

Amanda acredita que o pai talvez não tivesse noção do império que ele construiu como família. Ainda que muitas vezes tivesse de estar ausente nos churrascos ou datas especiais devido à profissão, Osmar sempre foi o esteio familiar. Para ele, bastava saber que estavam todos juntos para que ficasse feliz.

Protetor que era, suportava qualquer desaforo contra ele próprio, mas nunca contra a esposa ou os filhos. Nesses casos, aquela figura racional diante das adversidades da vida se transformava e lutava pelos seus com unhas e dentes. Assim como também lutava pelo próximo, se necessário fosse. Além disso, possuía o dom de proferir palavras sábias nos momentos mais difíceis.

Há trinta e nove anos casado com Adriana, formavam uma dupla unida e feliz. A história do casal começou quando o pai da jovem precisou ser internado em decorrência de um infarto. Doutor Osmar foi o médico responsável pelo paciente na ocasião, e não pestanejou em pedir a uma enfermeira que descobrisse o telefone da pretendida. Depois, viajou para o interior do estado de Goiás para pedir a mão da moça em namoro. Conclusão: casaram-se após dois anos.

Muito apaixonado, ele era o tipo de marido que falava da esposa o tempo todo, tornando-a conhecida entre aqueles que ela mesma desconhecia. Para as filhas, os pais possuíam uma história de amor única e de referência para elas.

Apesar de salientar sua imperfeição como ser humano, quando Osmar olhava para os três filhos reconhecia neles o que havia produzido de mais perfeito na vida, contam as filhas. Como pai, costumava mandar flores no aniversário das duas meninas e também no Dia dos Namorados, quando elas eram crianças - tudo fazia parte de uma saudável brincadeira familiar, Osmar dizia que Amanda e Mariana eram suas princesas, e princesas merecem ganhar flores no Dia dos namorados. Via em seu único filho homem o espelho dele, e costumava chamá-lo de "meu baby Jony".

Osmar sentia orgulho da sua trajetória. Quando bem pequenas, as filhas se lembram do pai contando, cheio de orgulho, das viagens que fazia em carros de boi para ajudar o pai que, à época, trabalhava como feirante. As histórias incluíam as domésticas que lhe davam sobras de comida escondido das patroas, por cima dos muros das mansões do bairro nobre da cidade onde vivia.

Assim ele cresceu, conforme o relato de Amanda e Mariana, sobrevivendo e lutando pelo sonho de se tornar doutor. Osmar conquistou o diploma de Medicina, se especializou em Obstetrícia, Medicina Esportiva, além de Diagnóstico por Imagem, e fez da Medicina seu propósito de existir.

Do trabalho surgiram outras tantas histórias lindas e muitos de seus melhores amigos, os quais chamava de irmãos. Ele também costumava fazer amizade com os pacientes. Certa vez, no leito do hospital, uma criança confessou o sonho de ter uma boneca. Pois o doutor deu a boneca de presente para a menina. Como médico, ele se orgulhava ao reencontrar pessoas que vieram ao mundo por suas mãos, e se tornaram seus colegas de profissão.

No exercício da Medicina foram muitos os atendimentos, partos, descobertas gestacionais e, inclusive, curas da COVID-19 sob os cuidados do doutor Osmar. Ele atuava na linha de frente de um hospital público do SUS, em uma cidade turística no interior de Goiás. Incansável, trabalhou durante a pandemia, apesar da idade avançada e do diabetes, pois o importante para ele era cuidar do outro.

Além da Medicina, Osmar possuía uma outra paixão: os carros antigos. Interesse compartilhado com o neto mais velho, João Pedro. Os dois pareciam duas crianças brincando e implicando amorosamente um com o outro.

Já os caçulas, os gêmeos Dom e Ben eram os protagonistas das fotos que o avô mais gostava de enviar nos grupos de WhatsApp. "Eles são os três mascotes que vieram para completar o império", diz Amanda, a mãe das crianças. Assim era o Doutor Osmar, dono de uma trajetória ilibada na carreira como médico e o ser humano doce e parceiro, que tornava a vida de todos ao seu redor mais leve e colorida.

Osmar nasceu em Silvânia (GO) e faleceu em Goiânia (GO), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas filhas de Osmar, Amanda Felipe Fleury Sarkis e Mariana Felipe Fleury. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Mariana Quartucci, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 30 de novembro de 2021.