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Paulo Afonso Reis

1961 - 2021

Exerceu com honra e orgulho a profissão de farmacêutico, atuando na linha de frente, no combate à Covid-19.

Paulo nasceu e cresceu no centro da cidade de Manaus. Seu pai trabalhava no porto e, apesar da infância difícil, nunca passou fome ou necessidade. Desde cedo ele gostava de ter o seu próprio dinheirinho e fazia uns trabalhos informais para consegui-lo.

Contava que começou como sapateiro, depois passou a ser vendedor e ainda atuou como modelo. Dono de muitas habilidades, chegou a fazer parte de seleção de basquete amazonense quando cursou o Ensino Médio.

A área da saúde sempre foi para ele um ponto de interesse e era uma referência dentro da própria família: diante de qualquer problema nessa área, era para ele que todos os seus nove irmãos ligavam quando queriam uma orientação.

Alimentou durante algum tempo o sonho de ser médico e conseguiu ser aprovado na primeira fase do vestibular; mas logo desistiu, porque a faculdade seria em tempo integral e ele precisava trabalhar. Então ele começou a atuar como Técnico de Laboratório aos 20 anos e, posteriormente, fez o curso de Farmácia e Bioquímica, área em que atuou durante quinze anos. Era um ótimo professor de Análises Clínicas.

Apaixonado pela profissão, nela permaneceu até o fim da vida, conforme conta a filha Deborah: “Durante a Pandemia papai trabalhava no posto de saúde do Morro da Liberdade, Zona Sul de Manaus, quando foi escalado para realizar testagem domiciliar para Covid-19 nos pacientes em quarentena. Minha mãe não queria que ele realizasse esse trabalho, mas ele dizia “esse é o meu dever, eu fiz um juramento de honrar a minha profissão”.

A profissão de Paulo influenciou até em sua vida amorosa, permitindo que ele conhecesse sua futura esposa em um laboratório de análises clínicas. Foi o primeiro e único namorado dela; casaram-se e permaneceram juntos por vinte e cinco anos.

Tiveram a filha Deborah e ele, provedor e protetor, exercia seu papel com tanto amor, que seria até difícil descrever as atitudes que tomava para fazer isso. Ele se doava pelos estudos da filha e pelo conforto de sua pequena família a ponto de sua mulher dizer que, ao seu lado, não sentia medo de nada.

A relação com a filha era marcada por companheirismo, segurança e admiração, sentimentos que Deborah demonstra ao relatar que é difícil escolher entre tantas histórias vividas com ele, mas que algumas recordações surgem de forma marcante: “Quando eu era criança, ficava esperando ele chegar para assistirmos desenhos. Lembro também que a gente saía para comer, escondido da minha mãe... Teve o dia em que ele me ensinou a andar de bicicleta. E lembro que eu dormia segurando a mão dele porque assim não tinha medo de nada. Quando ele chegava nos lugares, independentemente do horário, gritava: “Boaaa noiteee!” Ah... Ele também usava tanto perfume que até dava dor de cabeça. E, toda vez que ia orar, chorava horrores!”

Sonhador, cultivava alguns sonhos; um deles era ver a filha formada; também queria ir a Portugal e morar perto da praia. Afetuoso, amava seus animais de estimação e era amado por eles. Depois de sua morte, sua gatinha preferida parece esperar que ele chegue em casa, no mesmo local em que o aguardava todos os dias: embaixo de sua rede.

Paulo era encantador, extrovertido, falador, risonho e cheio de vida. Ao mesmo tempo que era brigão, também era difícil de se chatear facilmente; de qualquer forma, fosse o que fosse, logo se alegrava. Ele amava intensamente.

Era apaixonado pela natureza e, de forma muito especial, pelo mar e pelas cachoeiras. Aos finais de semana, ia para uma casa que possuía em Presidente Figueiredo, no entorno de Manaus, um local onde existem muitas cachoeiras, e lá o seu maior prazer era conhecer esses locais e tirar fotos; ali ele se sentia livre.

Seu hobby preferido acontecia nas noites de exercer o pastorado, praticado desde o ano de 2005, quando foi curado de um câncer e fez o voto de trabalhar na Igreja por amor, sem receber nada em troca. Durante seu ministério pastoral ajudou muitas famílias e cuidou de vários doentes usando seus conhecimentos na área famrmacêutica e transmitindo fé.

Foram vários os ensinamentos deixados por ele: incentivava a todos a serem trabalhadores, e afirmava que "na vida nada chega com facilidade, mas para quem trabalha com afinco e com justiça, as coisas boas vêm".

Uma vida digna e honrada, que é assim resumida pela filha: “Paulo Afonso Reis era, sobretudo, sonhador; apaixonado pela família e pela Igreja; e comprometido no trabalho. Ele era meu herói, aquele a quem dedico toda e qualquer conquista minha, pois ele foi quem tornou possível cada uma delas. Será inesquecível para mim, para minha mãe, para os animais que resgatou da rua e para seus discípulos”.

Paulo nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Paulo, Deborah Muniz Angelim Reis. Este tributo foi apurado por Rafaella Moura Teixeira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 3 de dezembro de 2021.