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Paulo Venâncio Amorim

1953 - 2020

Possuía uma força implacável e um coração maior que suas mãos.

A história de Paulo começa quando ele perdeu a mãe ainda criança. Após o novo casamento do pai, como não era amparado pela madrasta, decidiu sair de casa e viver nas ruas. Sem sombra de dúvida, isso mostra o quanto Paulo era uma pessoa forte e decidida. Devido a essas circunstâncias, não conseguiu concluir os estudos, mas isso não o impediu de triunfar na vida. No entanto, concedeu estudos de qualidade para as filhas. E em 2019, com muito orgulho, matriculou-se numa escola da prefeitura para retornar aos estudos antes interrompidos pelos caminhos que a vida o levou. Estava começando a ler quando teve que partir para um melhor lugar. Estava dedicado e amando esse aprendizado.

Paulo foi pescador, motorista de ônibus e, por último, trabalhou como taxista, que foi sua ocupação até o fim da vida.

Era um homem que apreciava ir à praia e comprar peixes fresquinhos para levar para casa. Ele então reunia toda a família para comerem juntos o que havia trazido com muito amor. Paulo, era um ser tão excepcional que quando a filha Glacenilda, que não morava com ele, não podia participar desse momento tão singular e se deliciar com os pescados, ele levava para ela.

Foi casado com Maria Cacilda Pires Amorim por quarenta e dois anos e tiveram três filhas: Glacilda, de 41; Glacenilda, de 36; e Paula Cristina, de 28 anos.

Tudo o emocionava, possuía um grande coração. Ficava comovido com cenas de novelas, de filmes e quando via uma pessoa precisando de ajuda. Isso só mostra o quanto Paulo tinha um coração “tão divino e tão lindo”.

Ele não era de ter muita paciência com as filhas, mas o único neto desfrutava de toda a paciência do avô, que fazia o que podia e até o que não podia para agradá-lo. Possuía o grande amor de avô, pois os avôs eram para serem eternos. Mas, certamente, Paulo é eterno nos corações de todos que com ele tiveram o prazer de conviver.

Foi uma criatura honrada, sempre pagava as contas em dia. Vivia cercado por amizades e era uma pessoa muito comunicativa; era aquele ser que não passaria despercebido onde quer que estivesse. Paulo era impressionante e admirável.

Seu sonho era adquirir um carro zero km e, ao aposentar-se, foi a primeira coisa que ele fez. Comprou um automóvel para trabalhar na praça. Paulo já era taxista, mas a labuta diária era feita com carro arrendado e ele queria trabalhar por conta. Adquiriu o veículo, mas não teve tempo de trabalhar, pois a quarentena havia começado; porém, o transporte ajudou a ter o conforto nos momentos que mais precisou.

Adorava músicas de Roberto Carlos e as no estilo brega, mas sua grande paixão era o futebol e o seu time do coração, o Ceará. “Assistia aos jogos em sua casa e, sempre que podia, ia ao estádio todo uniformizado, carregando a bandeira na garupa da moto. O time do Ceará lembra muito o meu pai. Quando vejo o Ceará jogar me emociono, porque o traz à memória”, relata, amorosamente, sua filha Maria Glacenilda.

Seu único netinho, Davi, de 6 anos e o gigante alvinegro, o Ceará Sporting Club, eram suas grandes paixões.

Gostava de presentear o neto e, às vezes, aparecia na escola para buscá-lo. Era um amor tão lindo e singelo demonstrado com dedicação e amor ao neto. “Davizinho do vovô” era a forma carinhosa e amável que Paulo chamava seu único neto.

Quando não estava trabalhando, estudava e confeccionava as embarcações em papelão que tanto gostava.

A filha recorda-se ainda de outro episódio curioso: “Quando meu esposo foi pedir a minha mão em casamento, meu pai não poupou palavras: 'Você vai casar com ela, mas saiba que ela é chata, teimosa, ignorante, não sabe cuidar de casa'. Então eu disse: 'Menos, pai', e ele finalizou: 'Mas ela não tem preguiça para trabalhar fora. Foi a primeira filha que conseguiu um emprego (...) tem que falar tudo, para depois não vir devolver.'"

“Fazia vários planos para quando estivesse aposentado. Pagaria faculdade para as filhas e iria matricular Davi na escolinha de futebol do seu time do coração”, rememora a filha.

Maria Glacenilda deixa ao pai uma última homenagem e conclui, amorosamente, que gostaria de ter expressado verbalmente um “Eu te amo!”. No entanto, Paulo irá sentir essas sábias palavras onde quer que ele esteja, pois em vida, sentiu todo esse amor que a filha nutria por ele e, sem dúvida, sabe desse singelo amor.

Paulo nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Paulo, Maria Glacenilda Amorim. Este tributo foi apurado por Talita Camargos e Hélida Gmeiner Matta, editado por Thalita Ferreira Campos, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 28 de novembro de 2020.