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Pedro de Deus Silva

1950 - 2020

Ficou conhecido na família como "Abençoado", porque essa é palavra que mais saía de sua boca.

Pedro ficou órfão de pai quando ainda era criança. Por conta disso, aos 6 amos teve que começar a trabalhar vendendo picolé. Daí para frente, sempre trabalhou arduamente com o intuito de sustentar sua família composta de dez irmãos e sete filhos, dos quais ele muito se orgulhava pela educação que conseguiu lhes oferecer e, principalmente, pela formatura de cada um.

Mantinha uma relação de parceria e de muita luta com os irmãos e era muito próximo e unido principalmente com Edinho e com o Zé. A ligação entre os três era inabalável: estavam sempre juntos, fosse procurando um trabalho, mudando de estado ou morando juntos por um tempo. E mesmo quando separados, eles tentavam se aproximar a qualquer custo. Caso algum conquistasse um pouco mais, esse sempre tentava ajudar os outros dois. Era uma relação linda, cada um deles sendo um alicerce importante na vida dos outros.

Na juventude Pedro tinha sido muito namorador e acabou tendo filhos com mulheres diferentes sem que isso chegasse a prejudicar sua vida laboral, que tomava a maior parte do seu tempo. Foi mecânico, motorista de ônibus e chefe de garagem, sempre tentando trabalhar ao lado dos irmãos, principalmente do Edinho e do Zé.

Mesmo sem ter tido oportunidade de estudar, viajou muito durante sua vida. Era um homem vaidoso, que gostava de estar impecável, com a roupa bem arrumada e perfumado. Prezava muito pela boa aparência. Era orgulhoso, trabalhador, otimista e persistente — diante de adversidades dizia que iria conseguir superá-las.

Pedro sempre foi uma pessoa muito alegre, que tratava a todos muito bem. Não se cansava de admirar a harmonia entre as famílias e os pais que aconselhavam os filhos durante a criação — talvez por não ter vivido completamente essa experiência. Cultivava essa harmonia em sua vida em relação aos irmãos, sobrinhos, sobrinhos-netos e sempre encontrava uma forma de estar presente na vida dos outros e de se reunirem.

Chamava todos de "Abençoado" e então, no grupo do aplicativo de mensagens, nem era preciso falar o nome para se referir a ele, bastava falar "abençoado"...

Pedro gostava muito de visitar todos os familiares e amigos, e sentia-se radiante nos encontros familiares. Conta Karina, uma de suas sobrinhas-netas: “Tínhamos uma relação de respeito, amizade, confiança, admiração e muito carinho. Nós éramos confidentes dele. Sempre que precisava de alguém para desabafar, nós estávamos ali por ele e ele por nós. As manhãs de sábado eram sagradas, ele gostava muito de tomar o café da manhã ao nosso lado. Era sempre a mesma coisa: ele chegava, tomávamos o café, conversávamos muito e logo depois ele ia embora. Esse momento era muito especial para nós”.

Saudosa, ela continua: “Quando a família toda estava reunida, corríamos para fazer banquetes e almoços, sempre com aquela alegria de partilhar com o outro. Lembro que ele amava comer, principalmente quando o prato era de peixe ou bode. Nossa! Ele amava comer esses pratos; então, eles sempre estavam presentes nesses encontros!”

As maneiras que Pedro utilizava para demonstrar seu amor ficaram gravadas na memória e Karina as compilou entre diversos familiares, completando esta homenagem:

Filha Célia: “Ele demonstrava amor por meio das mensagens de incentivo, das palavras de motivação e da forma como ele se revelava disposto a nos ajudar no que fosse preciso”.

Filha Lucélia: “Ele sempre nos incentivava a crescer, a estudar e a se aperfeiçoar. Sempre tentava mostrar o que era certo e errado. Mesmo estando longe não deixava de ligar ou mandar mensagem. Sempre vou lembrar do meu pai como alguém muito alegre, muito engraçado e vaidoso.

Filhos Vanessa e Matheus: “Sempre fazendo o melhor que podia! Nunca deixava faltar nada para os filhos, nos ensinava a ter paciência e responsabilidade, sempre estava disposto a ajudar os filhos na educação ou em qualquer coisa que precisassem. Ele nos incentivava a estudar muito e ficava muito feliz quando conseguíamos alcançar um objetivo. A maior felicidade dele, em relação a nós, foi quando ingressamos na universidade".

"Ele demonstrava afeto pelos elogios que muitas vezes não eram ditos para nós", diz Vanessa. "Um deles era orgulhar-se do meu irmão ser artista. Em relação aos outros filhos ele ficava feliz de encontrá-los e poder ficar com os netos; gostava de mostrar vídeos e fotos deles. Com os irmãos, ele ficava alegre quando se juntavam, gostava de brincar e ali vimos despertar um dos seus lados mais contagiantes. Nem sei como externar bem algumas coisas, mas acredito que esses pontos eram os que mais definiam meu pai, pelo menos pra mim e para o meu irmão”.

Irmão Edinho: “Ele era uma pessoa querida e gostava muito da família em que cresceu. Ele demonstrava o amor que sentia por nós mostrando-se um irmão muito presente, que nos acolheu nas horas certas e sempre nos aconselhou. Ele amou muito todos os irmãos e nós o amamos muito”.

Irmão Zé: Ele sempre se preocupava com os irmãos caçulas e tinha carinho com todos. De todos da família, era ele quem sempre estava presente. Acho que ele demonstrava amor dessa forma mais tímida, mas que valeu muito para mim. Lembro das nossas reuniões e dele muito feliz e calmo”.

Foram muitos os momentos especiais vividos ao lado de Pedro. Karina relembra dois deles: “Ele sempre contava que na cidade piauiense de Campo Maior teve uma guerra, a Batalha do Jenipapo, em que um dos líderes foi João Cândido de Deus e Silva. Então, sempre que passávamos em frente ao monumento dedicado a esse líder, meu tio-avô logo se dizia orgulhoso e feliz por ser descendente de um herói e guerreiro”.

“E também tenho cravado na minha memória os momentos em que saíamos da fábrica de picolés da minha mãe e íamos até a casa dele. Ele estava lá sempre sorrindo e preparando os picolés para vendermos”.

E Karina proclama a essência de seus ensinamentos: “Acho que ele soube se ressignificar. Errou muito na juventude quanto à família que ele criou, mas eu via a vontade que ele tinha de correr atrás do tempo perdido e de se reconciliar com os filhos. Eu vi como ele se transformou em uma pessoa que ama a família, sempre buscando ter aquilo que não teve quando era jovem. E deu certo, sempre tentava demonstrar o amor que quase foi perdido”.

Pedro nasceu em São Luis (MA) e faleceu em Teresina (PI), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela sobrinha-neta de Pedro, Karina Suyanne Araújo de Moura. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Muhl, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2022.