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Pedro Galeano

1932 - 2020

Gostava de adivinhar, junto com a neta, quem estava chegando em casa, pela batida do portão ou pelo som dos passos.

"Nunca deixe que o sol te pegue na cama". Segundo a neta Priscilla, essa era a expressão favorita do "melhor vô do mundo"! Motivada por essa curiosa frase do avô — que se traduz em trabalho, luta, esforço e ganho —, ela mantém o hábito de levantar cedo, tomar seu banho e ir em busca do que deseja.

Um exemplo inspirador de garra, que nem a infância pobre afastou. Nos estudos, não passou da quinta série, mas destacava-se por sua inteligência ímpar, sua letra bem desenhada e suas contas rápidas, de cabeça.

"Quando jovem, ele adorava tocar violão e participar de bailes. Inclusive, foi em um deles que conheceu minha avó, iniciando o namoro logo em seguida. Construíram juntos uma bela família. Já de início tiveram um bar, de onde tiravam todo o seu sustento. O bar Panorama ficou bem famoso em Dourados, Mato Grosso do Sul", relata a neta.

Pedro trazia consigo valores como integridade, força e amabilidade. Gostava de música, de festa, sempre com muita alegria; era receptivo e apreciava ver sua casa cheia. Priscila reaviva a relação dos avós nesse e em outros detalhes igualmente admiráveis: "Minha avó também amava receber pessoas, ela é muito agregadora. A casa deles estava sempre cheia, com reuniões em fim de tarde, para um chá e um pãozinho. Meu avô demonstrava seu amor pela minha avó sendo constantemente atencioso e cuidadoso. Não importava o valor de consultas, exames ou remédios: ele insistia que ela fosse ao médico e fizesse tudo certinho, zelando por sua saúde".

"Nos detalhes do dia a dia, ele tinha atenção aos seus agrados e gostava de preparar o mate antes que ela acordasse. Era generoso com a economia doméstica e nunca nos faltou nada. Inclusive, minha avó tinha dinheiro de sobra para comprar mantimentos: eu achava incrível que, se chegassem dez ou 20 para o almoço, não seria problema, pois a comida era sempre suficiente. Viviam muito felizes e, como de hábito entre casais, tinham seus costumes e modos de comunicação. Ele a chamava de Dona, daí ouvíamos: 'Pergunta pra Dona, ela que sabe'. 'Vê com a Dona'. 'Cadê a Dona?'. Um dia meu avô sentou-se na frente de casa, em uma cadeira de fio, e quando se deu conta de que 'sua Dona' não estava por perto, ligou no celular dela só para pedir um pedaço de melancia."

Pedro sempre gostou de contar à família sobre sua trajetória, especialmente ligada à construção de Brasília, quando exerceu ofício como motorista de máquinas pesadas. Começou a trabalhar muito cedo e ajudou a construir a Transamazônica, o que lhe trouxe muito orgulho e o privilégio de ter conhecido o então presidente Juscelino e a primeira dama, Sarah Kubitschek. "Meu avô era tão apegado a essas memórias, que havia um pôster do Juscelino na sala, como símbolo daquela passagem de sua vida. Aliás, esse pôster rendeu até mesmo uma reportagem na televisão. O que para nós era normal; assim como aquela foto na sala, que estava lá há tanto tempo, que até parecia fazer parte da nossa família", revela Priscilla.

Os familiares ouviam atentos as histórias sobre a época em que não havia nada no local das obras, só selva, e o patriarca narrava ter dormido com as cobras. "Com isso, insinuava que reclamávamos de barriga cheia e que na nossa época tudo era mais fácil. São essas conversas que fazem muita falta, assim como os dias normais: as segundas à tarde, a ida à farmácia com direito a uma passadinha no sacolão, um bife mais tarde, a casa sempre cheia. Meu avô não era um homem de muitos gestos amorosos, mas conseguia demonstrar muito amor em detalhes inesquecíveis. Quando eu era bem pequena, minha mãe me levou embora e minha avó chorou de tristeza. Ele nem pensou duas vezes: pegou o carro e me buscou de volta para morar com eles até o dia em que saí, vestida de noiva, no dia do meu casamento", lembra saudosa a neta.

O vínculo com os netos e bisnetos era intenso e bonito. Pedro perguntava diariamente por cada um deles. Fazia de tudo pelos netos, sempre mantendo uma postura de "malvadão" — só que ela durava pouco. Agradavam-lhe as conquistas e o crescimento deles. Mimava a todos, mas quando se tratava de Priscilla, talvez pela proximidade, morando só os três, Pedro era seu adulador: derretia-se pela menina. Quando esta cresceu e lhe deu uma bisneta então... a postura firme não durava mais do que alguns poucos minutos.

A neta não esquece da juventude ao lado do avô: "Ele era muito tranquilo. Aos 18 anos eu já trabalhava, então penso que ele nem teve tempo de sentir ciúmes dos meus namorados. Mas sempre foi muito parceiro e afetivo, porém sistemático: determinava a hora que era para voltar, e era melhor atender. Meu avô foi meu pai a vida toda. No final, foi meu filho. Foi quando vivemos um dos momentos mais memoráveis, pois ele estava com Alzheimer e o mais especial para nós foi ele nunca ter esquecido nossos nomes, nem quem éramos".

Nas horas livres, Pedro se entretinha tocando uma polca no violão, uma de suas paixões. E é justamente um violão, uma boa polca e uma sopa paraguaia que sempre remetem Priscilla imediatamente ao avô. Já o sentimento que mais imprime a presença dele é a sensação de pertencimento, de casa e de nunca se sentir sozinha.

O momento preferido de Pedro era estar com todos por perto: a casa repleta, com filhos, netos, genro, nora — aquela "confusão", que o fazia feliz. E essas reuniões não aconteciam apenas aos domingos. Os dias eram constantemente barulhentos, agitados e para ele não podia faltar ninguém. Priscilla também sente muita falta da casa cheia e busca na memória momentos divertidos: "Sentávamos ao redor da mesa e tentávamos adivinhar quem havia chegado, apenas pelo jeito de bater no portão e pelo arrastar dos pés. Apesar de serem encantadores, esses momentos não eram únicos: também sinto muita falta de tomar um mate no final da tarde, de passear aos sábados pra comer algo diferente, de ir ao clube, de assistir futebol mesmo sem saber quem estava jogando".

Priscilla desabafa: "Perder alguém já é muito difícil, e perder alguém em meio a uma pandemia é infinitamente pior. Então, a gente se agarra a todas as lembranças e descobre que o que realmente faz falta são os dias e fatos normais... o dia a dia. Meu avô me ligava todos os dias. Amávamos fazer comida juntos, ou melhor, eu cozinhava e ele comia. Envaidecido, dava um jeito de mostrar nossas fotos aos amigos durante uma conversa".

Homem de grande fé, Pedro a deixa de herança à neta. Muito católico, habitualmente rezava por toda a família. Emocionada, Priscilla descreve que via esses momentos com sentimento de ternura: "Quando chegávamos na hora da missa que meu avô costumava assistir, nós o surpreendíamos de joelhos, com nossas fotos na mão, durante todo o tempo da missa. Durante toda a minha vida tivemos um elo muito forte. Meu avô foi um alicerce muito importante e não tenho como deixar de guardá-lo como uma de minhas melhores lembranças".

Pedro nasceu em Porto Murtinho (MS) e faleceu em Campo Grande (MS), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Pedro, Priscilla Coimbra Galeano Ferreira. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Muhl, editado por Denise Pereira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 16 de março de 2022.