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Raimundo dos Santos Pereira

1953 - 2020

Foi carteiro na capital amazonense por mais de trinta anos.

Apelidado de “Mundico”, um diminutivo carinhoso seu nome, ele nunca conheceu os pais biológicos. Passou a primeira infância com quatro famílias diferentes, até que aos seis anos foi adotado pela definitiva mãe de criação, numa relação com pouca afetividade que não era a ideal, e que o fazia às vezes se sentir maltratado.

Certo dia, aos 11 anos de idade, tomou coragem e conseguiu fugir num navio cargueiro, passando por Rondônia e em seguida chegando a Manaus, onde encontrou alguns parentes da família de mãe de criação e por lá ficou.

Ainda adolescente, o primeiro emprego foi numa tabacaria. Depois trabalhou numa lavanderia. Quando conheceu sua futura esposa, aos 28 anos, trabalhava na Honda da Amazônia.

Foi amor à primeira vista. Ela vendia perfumes, ele foi comprar um cheiro bom para aguçar os sentidos e se apaixonou. Maria Geracina era o nome da amada, que virou Sara até hoje porque o nome era difícil. De imediato pediu-a em casamento e ela, fazendo charme, ficou de pensar. Dois dias depois, aceitou viver com ele a vida toda e nunca se arrependeu, vivendo um relacionamento banhado de harmonia e carinho. Sara já tinha uma filha, Nara, que ele prontamente registrou, assumindo-a e amando-a como pai. “Eu sempre vou honrar o nome dele como meu pai”, diz Nara.

Depois de casado, encontrou a profissão definitiva, carteiro, que exerceu durante trinta e três anos. Gostava daquela vida de caminhar pelos bairros da cidade, observando as rotinas das casas, estabelecendo vínculos com os moradores mais gentis que lhe ofereciam um café ou um copo d’água, entregando as boas notícias, dizendo bom dia, fugindo dos cachorros que latiam exaltados como se sua presença fosse uma novidade constante.

Mundico era um homem extremamente paciente, alegre, caseiro, com um grande coração. Seu maior tesouro era a família que construiu. Gostava de ler seu jornal, assistir novelas, divertia-se com caça-palavras. Curtia os pequenos prazeres de frequentar o sítio na comunidade de Ebenézer nos finais de semana, tomar um bom caldo de peixe e um chá de capim santo, para ajudar na insônia.

A filha Nara sente que a conexão dela com o pai foi coisa do destino: “Ele entrou na vida da minha mãe e na minha vida do nada, e foi embora do mesmo jeito, de repente, de um dia para o outro. A partida foi como a chegada, rápida, só que sem despedida.”

Do casamento com Sara ele teve mais dois filhos, André e Roziely. E deixou duas netas: Maria Clara e Maria Karolina, filhas de Nara.

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Raimundo, o senhor dos rios e dos peixes. O melhor sogro, pai e amigo. Uma pessoa de coração bom que nunca pensava em maldade. Honesto e um pouco teimoso. Mas, o que importa mesmo foi a história de homem guerreiro que ele deixou. Veio de baixo e formou uma grande família. Deixou muita saudade.

"Que o Sr. Raimundinho olhe por nós e que Deus proteja todas as famílias desse caos", deseja Paulo Sérgio, genro de Raimundo.

Raimundo nasceu em Oriximiná (PA) e faleceu em Manaus (AM), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha, Nara Ost, e pelo genro, Paulo Sérgio Santos, de Raimundo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 15 de outubro de 2021.