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Raimundo Laesse Almeida

1970 - 2020

A qualquer favor que pedissem respondia "Deixe comigo, deixe comigo", e todos sabiam que ele faria o impossível para cumprir.

Nascido no sertão nordestino, Seu Laesse se tornou responsável pelo sustento da família aos 17 anos. Trabalhava 12h por dia na fabricação de telhas de cerâmica. Não conseguiu terminar os estudos, mas nunca permitiu que as irmãs parassem de estudar. Conseguiu prover boas condições para a família no Ceará e, no início dos anos 90, mudou-se para o Rio de Janeiro para tentar a vida. Lá, construiu sua própria família, sua carreira e de tantos outros jovens, para os quais tinha o prazer de ensinar o ofício que tanto amava. Mesmo morando longe, não deixava de ligar, todos os finais de semana, para cada uma das irmãs e perguntar se estavam precisando de algo.

Em 2014, após 5 anos conciliando o tratamento de hemodiálise e a função de encarregado de obra, precisou de um transplante de rim. Para Seu Laesse não tinha tempo ruim. Não se deixou abater e seguiu trabalhando. “É a história de como ele se superou milhões de vezes”, conta a filha Caroline.

Sua simpatia não cativava apenas pessoas. Tinha o hobby de criar passarinhos que estavam doentes, machucados e que não iriam sobreviver bem na natureza. Limpava a gaiola todos os dias, sabia os gostos de cada um, conversava e dava nomes para todos eles. “Quando eu era mais nova eu odiava, mas depois que parei para prestar atenção, percebi que era até injusto eu pedir para soltar. Ele tratava os pássaros como se fossem filhos. E o melhor de tudo: era legalizado, com licença do Ibama, tudo bonitinho.”

No trabalho, era muito respeitado e querido. Tinha um espírito de liderança muito forte, sempre com o objetivo de motivar sua equipe, se tornando assim um exemplo, uma fonte de experiência e sabedoria para todos com quem trabalhava. Mesmo se dedicando bastante à carreira, nunca foi ausente na vida familiar. Fazia algo que amava e por isso estava sempre com um sorriso no rosto, colocando esse mesmo amor em tudo o que fazia. Tinha formação em carpintaria e já foi de tudo um pouco: garçom, barman, cozinheiro, caseiro, jardineiro e cuidador de barcos. Mas sua vocação era mesmo a construção civil.

Homem animado, extrovertido, carismático, divertido, prestativo, bondoso. São tantos os adjetivos que família e amigos usam para descrever Seu Laesse. Sempre fez questão de manter quem amava por perto. Por onde ele passava era festa. “Se dependesse dele era churrasco todo domingo, forró e cerveja zero - já que ele fez uma promessa quando transplantou e parou de beber álcool.” Sua rotina de domingo era característica: acordava e ia para a feira às 5h, depois,voltava e levava o café na cama para a esposa Dona Rosa e, se tivesse churrasco, preparava tudo e estava pronta a farra.

Tinha uma relação com a família que seria considerada perfeita por qualquer um que passasse pelo menos alguns minutos com ele. Sempre muito atencioso e cuidadoso, Seu Laesse – ou Mundico, como era chamado pela filha e pela esposa quando fazia alguma besteira - tratava cada um de um jeito especial. Com 4 irmãs e 7 cunhadas, tinha uma família praticamente só de mulheres. Fazia questão de saber os gostos de cada uma e tratá-las do jeito que gostavam. “Não tinha mulher que não se sentisse uma princesa perto dele e nem homem que não virasse seu amigo”, conta Caroline.

Pai e avô babão, Seu Laesse ensinou aos filhos a importância da família, não só de sangue, mas também aquela que ganhou ao longo da vida. “Sua própria história foi o legado que ele nos deixou. Nos ensinou a valorizar a família sempre e a fazer dos amigos também uma família.”

“Eu colocaria uma foto dele no dicionário para a definição de altruísmo”, conta a filha. Sempre muito prestativo, para qualquer favor que pedissem Seu Laesse respondia “Deixe comigo, deixe comigo” e todos sabiam que ele iria fazer tudo e mais um pouco para cumprir. Tinha a ótima mania de dar carona para qualquer um que pedisse, mesmo sem estar indo para lugar algum, apenas para que a pessoa não ficasse constrangida ao saber que ele tinha saído só para levá-la.

“Meu pai se tornou um exemplo para todos que o conheceram, por tudo o que ele fez como pai, como companheiro, como profissional. Meu irmão quer ser como ele, meu namorado quer ser como ele, os amigos querem ser como ele. Ele é um modelo para todo mundo”. Seu Laesse deixa a esposa Dona Rosa, os filhos, Caroline e Eduardo, as netinhas Talyta, de sangue, e Maria Clara, de coração, e uma grande família de amigos cheios de saudade de suas farras.

Raimundo nasceu em Alto Santo (CE) e faleceu em Volta Redonda (RJ), aos 49 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Raimundo, Caroline Siqueira Almeida. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marcela Aguiar, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 22 de julho de 2020.