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Renato Cortês

1930 - 2020

Se vestia de forma simples e elegante, suas calças tinham que ter vincos e estar sempre muito bem passadas.

Pensar em Renato traz à mente, de imediato, alguém muito honesto e decente. Bem jovem decidiu cursar Medicina, pois além de admirar a possibilidade de promover a cura, sempre quis orgulhar os pais que amavam essa profissão. Da sua infância, guardava na memória a história de uma peraltice que o fez levar uma reprimenda de seu pai: certa vez, na companhia de dois de seus irmãos e alguns amigos, coletaram - para mascar -, chicletes que estavam na areia da Praia de Amaralina, na Bahia, oriundos do transbordo de um navio alemão recém derrubado, durante a Segunda Guerra.

Jamais saía de casa sem estar vestido adequadamente, fazia questão de usar roupas impecáveis, no asseio e na apresentação. Renato era muito organizado, característica que herdou de seu pai. Tinha o hábito de anotar seus orçamentos, suas despesas e era dono de uma inteligência matemática incomparável. Além disso, sua maior mania era a de organizar todos os documentos em pastas.

Seu amor pela área da saúde resultou também no encontro com Maria da Luz Barbosa Cortês, enfermeira, com quem se casou, e teve três filhos: Marcos, Marcelo e Renata.

Sua família era sua maior paixão, a quem dedicou todo apoio, cuidado e confiança. Também cuidou de Márcia, sua sobrinha, desde muito nova como se fosse mais uma filha; inclusive foi ele quem tratou de sua alergia, até então sem diagnóstico, que ela apresentava desde os três meses de vida. Renato foi verdadeiramente um pai muito amigo.

Atuou como clínico e pediatra, ele gostava muito de crianças. Um médico diferente de qualquer outro de sua época. Por muito tempo ele foi diretor do INSS e também atuou no SUS. Não costumava contar sobre seus pacientes, mas reparava em nomes incomuns que achava extravagantes, e contava para a família.

Um passatempo que apreciou muito na vida era jogar 'paciência' acompanhado de seu filho Marcos, que o ajudava com as cartas. Esse era um precioso momento de interação entre os dois. O filho Marcos tinha Síndrome de Down e teve complicações na coluna, vindo a falecer um ano antes de seu pai.

A honestidade era sua maior virtude. Renato era um homem bom e íntegro. Não admitia mentiras, nem aceitava que pegassem algo sem pedir. Zelar o nome era o dever de todos da família.

Seu hábito alimentar era exemplar, bem regrado, era fã de frutas, iogurte natural e saladas. Seus pratos preferidos eram árabes, como o quibe de forno. Essas comidas remetiam às lembranças de seu avô materno - que era árabe -, e também às iguarias árabes que sua mãe preparava e que ele tanto amava: charutinho de repolho, belewa e tahine. Renato Sempre após o almoço, tinha de tomar seu café, nem muito fraco, nem muito forte: mediano mais puxado para forte. Capuccino também era uma bebida que agradava o paladar de Renato.

Sempre foi muito saudável, não tinha problemas de coração e sua pressão era como a de uma criança. Não fumava, nem bebia: “Odiava! Falava que não via graça em ficar tonto”, conta a sobrinha Márcia.

Renato nunca teve celular moderno, o seu era de botões! Odiava internet, e nem de atender telefone ele gostava. Muito religioso, assistia assiduamente às missas aos domingos, que se iniciavam às 7h da manhã na Igreja da Pituba. Só ia embora depois que se benzesse.

“Meu tio foi o melhor pai do mundo!”, relata Márcia, que lembra de uma vez que repetiu de ano e pensou que levaria uma bronca de seu tio. E o que aconteceu foi justamente o contrário, Renato a levou na Barra e comprou um sorvete para ela. Além disso, a aconselhou dizendo sobre a importância de se empenhar nos estudos, frisando que repetir de ano não era o fim do mundo e que teria certeza de que ela faria diferente no próximo ano. A formatura de Márcia foi proporcionada por ele e pela tia, esposa de Renato. Tio Caco, como ela o chamava, se alegrava com todas as suas conquistas.

Renato nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela sobrinha de Renato, Márcia Cortês Bittencourt. Este tributo foi apurado por Luisa Pereira Rocha, editado por Ana Helena Alves Franco, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 21 de agosto de 2021.