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Ricardo Barbosa

1981 - 2020

Felicidade, substantivo abstrato, no caso de Ricardo se conjugava com o verbo viver. E como viveu.

Felicidade. Foi esse o sentimento que a família de Ricardo teve com o nascimento do caçula no início dos anos 1980. Esse, também, foi o substantivo que permeou o seu desenvolvimento, com as suas pedaladas por Cachoeiro de Itapemirim quando criança, passando pelas conquistas, desde a adolescência e a luta, genuína, por independência, até no seu papel de maior destaque, o da paternidade. Felicidade, substantivo abstrato, no caso de Ricardo se conjugava com o verbo viver. E como viveu.

Filho mais novo da dona Tereza e do senhor Cláudio, desde pequeno soube apreciar as dores e as delícias de cada fase. Caçula de três irmãos, espoleta que só, se envolvia em algumas enrascadas. Certa vez, ainda criança, lembra a sua irmã Tina, ele começou a vender picolé escondido. Queria ter dinheiro e, como o pai não tinha, se virou. Até que o irmão do meio, Claudiomar, ouviu sua voz gritar "olha o picolé". Logo, logo foi assunto de mais uma bronca do pai.

Aos nove anos, disse para dona Tereza que ela teria uma surpresa na hora do desfile na festa de Cachoeiro de Itapemirim. O que ninguém esperava, no entanto, é que Ricardo estivesse tocando em outra banda, de uma escola particular da cidade em que a mãe sempre sonhou em ter o filho matriculado – por conta das condições financeiras, aquilo não era possível. Criança, Ricardo implorou ao regente da banda que deixasse participar. Não deu outra: Tereza só faltou ter um infarto. Afinal, ele havia pedido que ela escrevesse um bilhete para autorizar a falta no desfile da escola onde, de fato, estudava.

Foi crescendo, tendo mais responsabilidades, e, apesar disso, cativava todos que estavam à sua volta. Na faculdade, fazia a festa. Queria se vestir de mulher para o "Bloco das Piranhas". Enfrentava, dentro de casa, a ira bem-humorada da mãe que não queria emprestar as suas roupas. Exercia a profissão de contador, mas também era graduado em direito. E os churrascos em casa, ora, estavam sempre em dia. Reunir a família e os amigos era uma de suas coisas preferidas da vida.

Família essa que cresceu. Casou-se com Juliana e foi pai do Ricardo e do Murilo. Com eles, jogava bola, andava de bicicleta, brincava muito. Hoje, as crianças sentem a sua falta. Murilo diz que o pai virou uma estrelinha no céu. Ricardinho lamenta: “peço a Deus para trazer meu pai de volta. Porque se Deus der uma segunda chance, eu prometo que vou pegar todos os meus copos d’água que ele pedir”.

Desde os pedidos de copo d’água ao filho mais velho, até as risadas provocadas nos irmãos, nos pais e amigos, Ricardo faz falta. E falta é outro substantivo. No entanto, esse não combina nada com o que foi tê-lo em vida. Afinal, se é para marcá-lo, agora, com alguma outra palavra, essa seria “saudade”. E não há nem tradução para outras línguas.

Ricardo nasceu em Cachoeiro de Itapemirim (ES) e faleceu em Vitória (ES), aos 39 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Ricardo, Tereza Cristina Barbosa. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Lucas Eduardo Soares, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 16 de dezembro de 2020.