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Ronaldo Andrade Saldanha

1934 - 2020

De coração gigante, encontrava a alegria no som do fandango, na companhia da família e no calor do verão.

Disseram que ele não sobreviveria à noite do dia que nasceu, mas Ronaldo viveu oitenta e seis anos intensamente. Pouco depois de sair do ventre da mãe, foi colocado em uma caixa de sapato de tão pequeno que chegou ao mundo. Durante aquela madrugada, acenderam uma vela ao lado do menino e rezaram a noite toda por ele.

Ronaldo nasceu em Corrêas, distrito de Petrópolis, porque a mãe estava com problemas respiratórios. O ar puro das montanhas foi um dos remédios prescritos pelos médicos. Por isso, a mãe de Ronaldo precisou de mais gente para ajudá-la a cuidar de seu caçula. Ainda nos primeiros dias, foi necessário o peito de uma ama de leite para nutrir Ronaldo. Assim, com cuidado de todos à volta, ele foi se fortalecendo.

Os primeiros anos foram na companhia da avó Lindoca e da tia Alice. O menino era paparicado e elas enfeitavam-no com grandes laçarotes no cabelo. Ronaldo retribuía com muito carinho. Acompanhava a avó ao cinema e as tias aos parques. O pai partiu em um acidente de avião quando ele tinha apenas 8 anos. Assim, avó e tia ficaram ainda mais próximas dele.

Quando completou a maioridade, ganhou um Fusca da avó. Até apostar corrida com o carro ele apostou. O fusquinha acompanhou Ronaldo em diversos destinos, viajou muito com o veículo.

Morou no Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Mas o coração de Ronaldo sempre bateu no ritmo do fandango. A família era do Rio Grande do Sul, por isso ele se autoproclamava gaúcho. Vestia bombacha, ouvia músicas típicas... Vivia entre idas e vindas do Rio de Janeiro para Santana do Livramento. Ele fazia amigos por onde passava e orgulhava-se de ser descendente de David Canabarro, figura histórica da Guerra da Farroupilha.

O time do coração, Botafogo, também se devia a um familiar ilustre, o jogador e técnico de futebol João Saldanha, a quem admirava muito.

Por cerca de uma década, Ronaldo viveu na Fazenda Figurita, em Santana do Livramento, propriedade que recebeu de herança. Dedicou-se à criação de ovelhas e gado. Porém, devido às dificuldades financeiras, Ronaldo foi para a terra das oportunidades, São Paulo.

Lá, ele entrou no ramo de venda de automóvel. Trabalhou vinte e sete anos em uma empresa e dez em outra. Sempre foi dedicado, passou fins de semana inteiros em plantões. Também tentou a sorte como empreendedor em Florianópolis, mas o negócio não prosperou como ele imaginava e voltou à São Paulo.

Em São Paulo, ele conheceu Mônica, com quem constituiu uma linda e unida família. Ronaldo cultivava suas raízes no Sul do país; Mônica o conheceu porque sua irmã era amiga de uns gaúchos que o conheciam. Com pouco mais de um ano de namoro, eles se casaram. Tiveram cinco filhos: Luciana, Fabiana, Clarissa, Beatriz e Manoel. A mais velha foi batizada em Porto Alegre devido ao amor de Ronaldo pelo Sul.

Os filhos têm as melhores lembranças de Ronaldo. Um mês do verão era dedicado a ficar com eles em praias de Santa Catarina, onde também residiam alguns familiares. Além da turma de irmãos, sobrinhos e amigos juntavam-se a eles nas férias. Já no caminho, Ronaldo colocava músicas típicas do Sul no toca fitas. Ele amava curtir o calor, caipirinha, comer casquinha de siri e, principalmente, ficar com a família naqueles dias ensolarados.

O fluminense gaúcho paulista também estava sempre disposto a buscar os filhos e amigos a qualquer hora, independente do lugar. Dizia que colocava o cap do motorista e, feliz, deixava todos em suas respectivas casas, em segurança.

Para os netos, também estava disponível sempre. Isabela, Bruno, Julia, Maria Eduarda, Henrique, Guilherme e Joaquim tiveram o melhor avô do mundo.

Clarissa relembra que o pai ficava com seu casal de filhos, Júlia e Guilherme, para ela sair. Quando chegava, tarde, seu Ronaldo ainda tinha disposição de dar um pulinho na lanchonete para comer um sanduíche com ela e os netos.

A esposa, Mônica, conta que a casa nunca ficou vazia para felicidade dos dois. Os filhos e netos sempre estavam por perto. Os dois também realizaram o sonho de viajar pela Europa. Mas Manoel acredita que a maior conquista do papito, como o chamava, foi constituir uma família grande e unida.

A família levou um susto em 2008. Ronaldo precisou operar o coração às pressas. Correu tudo bem. Apesar das recomendações, ele não abriu mão de seus doces e da feijoada que fazia questão de saborear toda quarta-feira. Também viveu com Alzheimer nos últimos quatro anos de vida, aproximadamente. Ronaldo estava bem, apesar de dizer que não tinha memória, apenas uma vaga lembrança. Tomava sol, observava os passarinhos... Apegou-se ainda mais à esposa depois que ficou doente. Quando ela saía, ele ligava de dez em dez minutos para Mônica.

Manoel, o caçula, deu-lhe um netinho no início da pandemia. Por causa das restrições, Ronaldo conheceu o menino, Joaquim, com três meses. Foi um momento emocionante. Mesmo com a memória falha, devido ao Alzheimer, seu Ronaldo não se esquecia do netinho, sempre perguntava por ele.

Durante o isolamento, eles foram para a casa da filha mais velha, Luciana. "É um lugar gostoso", como dona Mônica define, passaram agradáveis dias lá.

A covid levou-o em dezembro de 2020. O corpo foi cremado e as cinzas ainda esperam um destino. A família pensou em colocá-las aos pés das árvores do condomínio em que ele passou seus últimos meses. Mas certo é que o vento deve levar as cinzas de seu Ronaldo pelos lugares que marcaram sua vida: Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Afinal, ele amava dizer que era fluminense de nascimento, gaúcho de coração e paulista por obrigação e amor à família que constituiu em São Paulo.

Ronaldo nasceu em Petrópolis (RJ) e faleceu em São Paulo (SP), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho, pela filha e pela esposa de Ronaldo, Manoel Vilhena Moraes Saldanha, Clarissa Vilhena Moraes Saldanha e Mônica Vilhena Moraes Saldanha. Este texto foi apurado e escrito por Talita Camargos, revisado por Acácia Montagnolli e moderado por Rayane Urani em 28 de março de 2021.