Sobre o Inumeráveis

Ronaldo da Silva Maciel

1980 - 2020

Apreciava os pratos preparados com peixes recém pescados nos rios amazônicos; seu predileto era o tambaqui assado.

Ronaldo foi um homem cheio de planos e sonhos. Ele produzia componentes de televisores que seguem ligados em muitas partes do Brasil, e até do mundo.

No comum da vida, a tela de um computador foi companhia imprescindível para Ronaldo. Ele divertia-se bastante assistindo a filmes em seu notebook. Seus gêneros preferidos eram comédia, ação e terror - ele não gostava de histórias românticas. Nessas horas, assistia também os animes, demonstrando uma preferência especial pelo Dragon Ball.

Filho mais velho de José Flávio e Joana, assumiu o lugar do irmão que cuidava de manter a união da família. Incontáveis os encontros organizados por Ronaldo, nos quais, ao longo do tempo a roda das pessoas presentes sempre crescia. Foi assim quando se casou com Valdineia. Com o nascimento dos filhos Flávia, Jordam e Isabelly chegaram mais pessoas para a roda familiar.

Os encontros mais tradicionais eram as festas de ano novo e Natal. Contudo, a celebração do nascimento da filha Flávia foi outro momento marcante. Ronaldo reservou uma casa de show local, convidou parentes e amigos e a cerveja foi por conta dele.

Bom ressaltar que as festas sempre fizeram parte da vida de Ronaldo. Foi numa delas que conheceu Valdineia, o grande amor de sua vida. Numa outra, livrou o irmão Rosinaldo da confusão. É que durante o evento teve início uma briga entre os frequentadores de uma casa noturna da capital amazonense. Atento, cuidadoso e com um carinho especial pelo irmão, Ronaldo procurou por Rosinaldo em meio a toda aquela gente e o retirou do salão para que ele não se envolvesse na confusão.

Nas baladas da juventude, Ronaldo dava preferência para casas que tocassem músicas dos anos 1980 e 90. E no fluir dos "flash backs", dançava, saboreava a cerveja gelada e convivia com muitos amigos.

Depois de casado, nos finais de semana era tempo de passeios em algum dos balneários localizados em regiões de mata no entorno da Capital. Enquanto desfrutavam de piscinas e lagos, revelava-se o grande parceiro da esposa e o pai carinhoso. Muitas vezes acompanhados por outros familiares e amigos, Ronaldo vivia momentos de alegria e brincadeira com os filhos.

Foi num desses domingos, num balneário chamado Riacho Doce que Ronaldo conheceu um grande amigo, também de nome Rosivaldo, como seu irmão. Com letras de forma escritas em folha de papel pautado ele conta que foi num momento de briga que os dois se conheceram. O motivo da briga foi insignificante, mas o fato em si, muito relevante, pois sem ele os dois não teriam se conhecido. Rosivaldo conta que, a julgar pelo ocorrido durante a briga, aparentemente, os dois não teriam muitas razões para serem amigos, uma vez que eram donos de princípios e forma de pensar diferentes. Contudo, com base num respeito mútuo, fato que também já ficou evidente no momento da briga, a amizade dos dois começou e prosperou.

A relação de Ronaldo com seu irmão Rosinaldo merece alguns parágrafos para conseguir dizer, ao menos em parte, de uma relação que atravessou todo o tempo em que conviveram.

Na escola, Ronaldo era uma espécie de anjo da guarda do irmão mais novo. Sempre que alguma situação exigisse a presença do irmão mais velho, lá estava Ronaldo para protegê-lo e evitar as tão corriqueiras encrencas infantis. Naquelas brigas comuns entre colegas de escola, quando a situação apertava, Ronaldo era o porto seguro de Rosinaldo.

Ainda na infância, foi Ronaldo quem ensinou Rosinaldo a soltar papagaios, jogar bola, andar de bicicleta e nadar. Juntos, no quintal ou na rua de casa, os dois faziam os papagaios que depois coloriam e alegravam o céu. Numa cumplicidade gigante, Rosinaldo confiava plenamente no irmão, que equilibrava a bicicleta até que, por conta própria, ele conseguisse manter o equilíbrio sobre apenas duas rodas. Também na rua ou em pequenos campos de futebol os dois jogavam bola, numa brincadeira que refinava as habilidades de chutar, driblar e conduzir a pelota.

O aprendizado da natação merece destaque. Filho de um nadador, que chegou inclusive a participar de competições de natação, Ronaldo também sabia nadar bem. E foi ele quem ensinou ao irmão Rosinaldo a arte de flutuar e se deslocar na água. Com um ar de saudade e ao mesmo tempo de felicidade, Rosinaldo conta que o lago onde Ronaldo o ensinou a nadar era bastante profundo. Numa confiança sem limites, Rosinaldo entregava o corpo aos cuidados do irmão. As primeiras lições de nado aconteceram nas regiões mais rasas. Aos poucos, com o apoio de uma prancha de isopor, foram ganhando lugares onde já não dava pé. Até que, meio que sem explicação, Ronaldo pôde celebrar as primeiras braçadas de Rosinaldo totalmente sozinho. Não custa dizer que neste percurso, em alguns momentos, Rosinaldo acabava bebendo um pouco da água do lago, que felizmente era de água limpa.

Com o passar do tempo, Ronaldo e Rosinaldo tornaram-se companheiros de balada, sempre marcada por boa música e cerveja gelada. Nas muitas festas que frequentaram juntos, a companhia de um para o outro era praticamente certa. E, como de costume, Ronaldo, por ser mais velho, estava sempre atento, aconselhava, protegia e se divertia junto com Rosinaldo.

Nos momentos desafiadores da vida de Rosinaldo, Ronaldo também esteve junto e presente. Certa vez o irmão estava tentando tirar sua carteira de habilitação. Contudo, foi reprovado em uma das etapas e como estava com pouco dinheiro na época, acabou desistindo. Quando soube do acontecido, Ronaldo repreendeu o irmão por não ter pedido ajuda. Disse que ele devia ter procurado por ele e avisado que estava sem condições de continuar pagando as etapas do processo de habilitação.

Ronaldo segue vivo no amor fraterno e nas braçadas de Rosinaldo nos finais de semana em algum balneário amazônico; no crescimento dos filhos; nas braçadas e nos televisores que ajudou a produzir e seguem dizendo sobre esse tempo.

Ronaldo nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 40 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo irmão de Ronaldo, Rosinaldo Maciel Ferreira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 28 de março de 2022.