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Rosa Pereira da Silva

1932 - 2020

Dona de uma risada extremamente linda e escandalosa, Madrinha Ló era tia, madrinha, mãe e avó da família toda.

Madrinha Ló, como era mais conhecida, sempre foi uma mulher dona de si, à frente de seu tempo. Ainda nova, saiu de casa para estudar em outra cidade e correr atrás dos seus sonhos. Depois de estabelecida, sempre que tinha a oportunidade, trazia os familiares que tinham esse mesmo objetivo para morar com ela. Sua casa era um grande abrigo pronto para reunir todos os familiares.

Viveu para cuidar da família, sempre trazendo os parentes para debaixo da sua asa. O verdadeiro lar era onde ela estava junto daqueles a quem amava. Ao mesmo tempo que ela cuidava de todos, também adorava mandar. Madrinha Ló ocupou diversos papéis junto de seus familiares, “era como se fosse a matriarca da família”, conta a sobrinha Fernanda.

Ter a casa cheia era sinônimo de alegria para ela. Adorava cozinhar; preparava um feijão-de-corda com galinha e um arroz de dar água na boca. Além disso, era uma costureira de mão-cheia, um dom de família que esteve com ela desde nova. Extremamente católica, não se passava um dia sem que Madrinha Ló segurasse o terço em suas mãos para rezar.

Perdeu a visão gradualmente e "passou a enxergar ainda mais" e, exclusivamente, com o coração. Como tinha autonomia para resolver tudo, independência conquistada desde moça, a partir do momento em que ela começou a ficar dependente de terceiros, a tristeza e a frustração fizeram morada nela. Devido a isso, com o tempo, seu jeito um pouco ranzinza foi abrindo portas e se instalando.

De uma sinceridade fora de série, Madrinha Ló não poupava os outros de ouvirem o seu ponto de vista. “Tinha a língua solta, se queria dizer algo, falava na hora; mesmo que depois se arrependesse. Ela era muito autêntica, verdadeira”. Sempre disposta a ajudar, com seu jeito simples e humilde, atraía a atenção em suas conversas e, por meio de seus exemplos e conselhos, todos aprendiam, sem nem mesmo darem conta da lição que ela ensinava.

Uma senhora conhecida por todos, Madrinha Ló era dona dos melhores segredos e sempre procurava alguém para compartilhá-los. Fazendo assim, com que deixassem de ser segredos. Mas o único que ela protegia a sete chaves era a sua idade. “A gente veio a saber a idade real dela quando ela morreu. Era uma coisa que ela negava, nunca deixou ninguém ver a identidade dela”, relembra, com carinho, Fernanda. E foi o único sigilo que a Madrinha Ló levou. Com certeza ela está olhando lá de cima agora e dando aquela risada contagiante por ter conseguido manter pelo menos um segredo com ela.

Rosa nasceu em Juazeiro do Norte (CE) e faleceu em Juazeiro do Norte (CE), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Rosa, Fernanda Tesla Pereira Sampaio. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 22 de outubro de 2020.