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Rosenildo Ribeiro Santos

1957 - 2020

Dizia não ter medo de cobra, mas bastou avistar uma no terreno para nunca mais voltar lá.

Ele era popularmente conhecido por Thura, apelido que ganhou de um amigo e que fez fama na cidade inteira. Sua relação com amigos e familiares era muito boa. Os familiares o chamavam de anjo da guarda, pois sempre estava pronto a ajudar. Os amigos eram unânimes em dizer que ele se dedicava completamente a suas amizades, que eram inúmeras. Suas virtudes — honestidade e amor — serão sempre lembradas pelos filhos.

Thura era viúvo. A esposa Solange, por quem era apaixonado, faleceu vítima de um câncer de mama. Ele lutou até o último momento para tentar salvá-la e sentiu muito a sua perda. Dessa união tiveram três filhos: Ricardo, Tiago e Sebastião.

Rosenildo exerceu diversas atividades. No município de Itagibá, esteve à frente das Secretarias de Obras e de Meio Ambiente, da empresa de águas EMBASA e foi dono de uma lotérica e de uma panificadora. Soube conciliar o trabalho e a família, pela qual tinha muito zelo, carinho, mantendo-se sempre presente na vida de todos os seus amados.

“Meu pai trabalhava incessantemente e divertia-se pouco. Além de estar com a família, a distração dele era trabalhar e ajudar ao próximo", recorda o filho Tiago. "Essa era a sua maior marca. No sepultamento dele o que eu mais ouvi foi 'eu fui ajudado pelo seu pai'”.

"Estava sempre disposto a ajudar às pessoas que lhe pediam auxílio. Chegou até a ser questionado, pelo então governador da Bahia, porque pedia ajuda para outras pessoas e nunca para ele mesmo", conta Tiago. "Sua vontade de ajudar era genuína".

Sempre alertou e ensinou aos filhos que o Poder Público não deveria ser usado em benefício próprio, mas para quem era de direito, o povo. Fazia campanhas pedindo doações para amigos que adoeciam. Para ele foi muito difícil quando o filho Tiago teve que utilizar cadeira de rodas, mas o amor ao filho superou todas as dificuldades.

Tinha o costume de fazer a sesta, dormir um pouco após o almoço, e quando questionavam o que estava a fazer, respondia que estava "trabalhando pesado, lascando lenha" — prática comum nas cidades pequenas para acender o fogão a lenha.

O filho se recorda de situações especiais: “Uma história marcante foi quando, certa vez, uma vaca brava avançou no meu pai, que escorregou e se agarrou às pernas de minha mãe. Outra foi quando ele conseguiu uma vaga para mim no hospital Sarah, em Brasília. Ele foi até Salvador, e quando chegou no aeroporto da Capital o avião já estava prestes a levantar voo, então ele invadiu o pátio e conseguiu fazer com que eu embarcasse. Outro episódio que nos causava risos foi quando relatou que não tinha medo de cobra e foi limpar o terreno. Logo ele viu uma cobra, que partiu em busca dele, que ... desceu correndo ladeira abaixo e nunca mais quis entrar nessa roça”.

Tiago também rememora momentos felizes ao lado do pai: “Lembro quando ele organizava o São João e a festa da padroeira da cidade — que eu também ajudava a organizar”. Eram momentos felizes e significativos, em que Rosenildo levava os filhos para as comemorações dessas festividades.

“Em casa fazia muita pipoca queimada; e ele tinha aquela sanduicheira de esquentar o pão no fogão e fazia muito pão queimado pra gente. Sempre que ele tinha tempo, inventava de fazer lanche para os meus amigos. Naquela época, mesmo depois de já existir DVD, nós passávamos o final de semana assistindo a filmes. Ele brincava comigo e sempre me levava para passear. Por ser cadeirante era difícil, minha cidade não tinha acessibilidade, e ele me levava pra passear com um carinho enorme, por mais simples que fosse o passeio. Se ele tivesse que resolver alguma coisa, ele me levava no carro junto pra passear e isso é uma coisa tão bonita de lembrar. Em nenhum momento ele deixava faltar as coisas para a família. E toda hora era uma surpresa diferente: ele nos levava pra almoçar, jantar fora ou comprava algo de que gostávamos, pra comermos junto. Teve um passeio que fizemos em Salvador, que foi muito bom. Ele sempre querendo fazer o melhor, até o que não podia, para nos deixar felizes”, relata o filho. “Meu pai era assim: pessoa simples, magnífica, morreu sem inimigos e tenho certeza que, no coração dele, não guardava mágoa de ninguém, ele não conseguia”.

“Ele cuidou da minha mãe como nunca um marido cuidaria de uma esposa. Eles eram como todo casal, tinham alguns desentendimentos, mas nunca vi discutirem de forma agressiva. Sempre dava flores para ela no Dia dos Namorados — mesmo já com idade avançada, ele era romântico. Meu pai a conheceu quando ela estudava na cidade vizinha. Meu avô tinha uma padaria onde meu pai trabalhava, porque ele também foi padeiro. E nessas vindas para cidade, minha mãe ficava na ponte que liga as cidades vizinhas esperando carona para economizar na passagem. Em uma dessas esperas, meu pai ofereceu carona e assim se conheceram, começaram um relacionamento, casaram e tiveram uma linda família”, relata Tiago.

Tiago finaliza: “Meu pai tinha medo de doença e de hospital. Lembro que uma vez ele teve cálculo renal e o medo foi tão grande que não queria ir ao hospital. Nesse dia ele se despediu de mim como se não fosse voltar, de tão medroso que era quando adoecia. Ele era um homem extremamente bom. Queria ter um décimo da bondade que meu pai tinha no coração. Não era algo só de falar, ele mostrava essa bondade. E nunca quis usufruir disso. Ele fazia por gostar”.

A neta Maísa, filha de Tiago, relata: “Meu avô foi uma pessoa muito importante pra mim. Ele morou uma parte do tempo em nossa casa e isso fez agregar algumas memórias. Lembro-me das vezes em que a gente passeava — amávamos ir ao shopping. Em uma dessas idas, meu pai foi à farmácia e pediu que aguardássemos, mas acabou que eu e meu avô fomos dar uma volta e nos perdemos. Na busca para voltar ao lugar onde estávamos, encontramos uma loja onde tinha uma casinha, que era tipo uma casa de boneca com escrivaninha. Ele viu e disse que queria me dar — acabou me dando e a tenho até hoje. É uma das muitas recordações do que passamos juntos, além de todo carinho e amor que ele me dava. Quando se foi, foi uma perda muito triste, porque foi tudo tão rápido, a gente não esperava. Com toda saudade, são só as memórias boas que ficam”.

Rosenildo nasceu em Dário Meira (BA) e faleceu em Jequiê (BA), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Rosenildo, Tiago Silva Santos. Este tributo foi apurado por Rafaela Teodoro Alves, editado por Thalita Ferreira Campos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 28 de novembro de 2021.