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Sara Gandelman

1929 - 2020

Uma romena que, ainda criança, cruzou o Atlântico para fazer morada no Brasil.

Quando era jovem e solteira, gostava de ir ao Mappin, no centro da capital paulista para tomar chá com as amigas. Sara tinha uma memória invejável, lembrava-se de todos os detalhes e gostava de contar as suas histórias.

Sarinha para alguns ou Dona Sara pra outros, casou-se aos 21 anos e dedicou sua vida aos seis filhos - Luiz, Rachel, Silvia, Júlio (já falecido), Ester e Rubens. “Naquela época, década de 1950, não era tão fácil para as mulheres. Ela não teve oportunidade de continuar os estudos, teria sido uma boa advogada ou jornalista, foi sempre curiosa”, recorda a filha Ester. Curiosa como era, lia muito: romances, biografias e clássicos da literatura.

Tinha poucos amigos, mas eram verdadeiros. Gostava de levar os netos para a escola enquanto os pais trabalhavam. “Adorava caminhar com eles. Às vezes, fazia isso até com filhos de vizinhos”, lembra Ester. Ao todo, eram seis netos e sete bisnetos. Um fato curioso aconteceu quando viu um vídeo de uma das bisnetas pelo celular, ela achou que era ao vivo. Como usava marca-passo, não tinha aparelho eletrônico e, por isso, pegava emprestado de alguém para ver fotos e vídeos.

Uma de suas paixões era a cozinha. Sua grande especialidade era fazer um prato principal de dar água na boca. “O frango assado dela era imbatível, ninguém na família conseguiu fazer igual”, conta Ester. A especialidade dela era apenas uma das várias receitas que tinha anotado em dezenas de cadernos com índice e datas dos pratos vistos na TV.

Esta é apenas uma página da linda história de vida de dona Sara, tal como ela escrevia em seus cadernos. Fica agora registrada em lembranças e saudades apreciadas com uma xícara de chá, como ela bebia na juventude e recordava nos mínimos detalhes.

Sara nasceu em Brechton, na Romênia, e faleceu em São Paulo (SP), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Sara, Ester Gandelman. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mateus Teixeira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Phydia de Athayde em 2 de outubro de 2020.