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Schuberth Andrade de Farias

1980 - 2021

Gostava de se reunir com a família para tomar café - com pão sem manteiga - e participar dos almoços animados e gostosos.

Schuberth fez história até com o próprio nome: os pais buscaram incluir também no nome do caçulinha as mesmas letras iniciais de Scheila e Scharlles, seus irmãos mais velhos. A tarefa não foi fácil, inclusive demorou alguns dias para ele ser registrado. Finalmente lhe deram o nome de um grande compositor austríaco e também de um conhecido. E por ser muito diferente, algumas pessoas o chamavam por apelidos: Xuxu, Xurupita, Júpiter, Schumacher, Chupeta e outros. Em casa, para a irmã, ele era “Schu”; para a mãe, Preto ou Pretinho, o caçula, dono de um carisma fantástico.

Na escola, cada vez que a chamada era feita, a leitura de seu nome era motivo de piada, devido à pronúncia — os amigos riam e Schuberth ficava chateado. Na adolescência passou a gostar do nome por este ter encantado um professor, fato que o fez ganhar um ponto na média. Passou então a exibi-lo com satisfação. Inclusive mandou imprimir a frase “100% SCHUBERTH” em camisas, adesivos e até no carro.

"Ele era uma pessoa que conquistava amigos por onde passava", conta a irmã, Sheila. "Na juventude, nossa garagem era 'point' de jovens que curtiam som alto e falavam sobre carros. Schuberth tinha muitas habilidades: instalava mega aparelhos de som e rebaixava os 'possantes', muitas vezes sem cobrar nada. Conservou a amizade com seu melhor amigo de infância até seus últimos dias. Era muito carinhoso, eu amava o seu abraço! A filha e as sobrinhas adoravam as peripécias que ele aprontava, carregando-as no ombro ou levantando-as nas alturas”.

Era reservado e tranquilo. Diante de problemas mostrava-se mais quieto e quando se aborrecia ficava muito bravo. Ele e o irmão mais velho eram muito companheiros. Porém, como Scharlles era mais passional e estressado, algumas vezes entravam em conflito e ficavam algum tempo sem conversar. Passado o aborrecimento logo se acertavam, pois se amavam profundamente.

Schuberth gostava muito de levar os pais para passear, especialmente em Pedra Azul, em Domingos Martins, no Espírito Santo, seu lugar preferido.

Menino em corpo de homem, ainda mantinha hobbies de infância, como soltar pipas. Era maravilhoso bater um papo com ele, conversa sempre fluida, em que não dava para perceber o tempo passar. Tinha loucura pela filha e pelos sobrinhos envolvendo-os em brincadeiras e traquinagens.

Schuberth teve apenas uma filha, Marcella ou Marcelinha, como gostava de chamar, de quem ele cuidava com dedicação e carinho. Ele era louco de amor por ela! Os dois não se desgrudaram durante toda a infância da menina, embora ela morasse com a mãe, pois Schuberth era solteiro. Marcella passava dias e dias com ele e dormiam agarradinhos. Na adolescência dela acabaram se afastando um pouco por ela ter se mudado para Brasília.

Marcella fala com muito carinho do pai e tem muitas lembranças bonitas dos dois. Na infância, ela costumava pegar fitas na máquina de costura da avó e amarrar suas mãos e pés, só para acordá-lo fazendo cócegas. E a brincadeira continuava com uma “guerra de cosquinhas”. Ainda bem nova, com menos de 15 anos, a veia empreendedora de Marcella pulsou e Schuberth apoiou seu sonho de abrir uma loja de roupas, mesmo sem recursos financeiros. Tiveram então a ideia de fazer docinhos para vender na escola e ele ajudava a produzi-los e a vendê-los. Em uma semana ela conseguiu comprar os tecidos e abrir uma loja virtual.

Schuberth vivia uma relação toda especial com Scheila, com lembranças que povoam a memória da irmã: “Sua voz era mansa, ele era muito inteligente, de papo fácil, todo jeito do meu pai. Conversávamos sobre tudo, desabafava alguns de seus problemas comigo, pedia conselhos. O carinho nos unia profundamente; pena que a vida cotidiana reduzia o tempo de nossas conversas. Ele era muito carinhoso comigo e também prestativo quando eu lhe pedia algum favor. Sempre me visitava quando eu estava em alguma situação relacionada à saúde e também me pedia orientações quando se encontrava nessa situação".

“Nossa relação era muito especial e fui a primeira a saber que seria pai! Lembro-me quando chegou em casa todo feliz com a ultrassonografia mostrando a Marcelinha, que até então era um embrião. Eu os acolhi com muito carinho e os apoiei, pois nossa família é muito tradicional. A chegada da Marcella foi uma grande alegria, foi muito mimada por todos. Tudo deu certo, graças a Deus!”

“Quando criança Schuberth falava errado, fazendo muitas trocas fonéticas, o que causava muitas risadas na família. Certa vez, por volta de seus 3 anos, ele viu uma moça na praia e a chamou de 'dotosa'. Essa história nunca foi esquecida pelos meus tios, que até na fase adulta riam do assunto, perguntando-se como ele teria aprendido a dizer aquilo."

“As brincadeiras na pracinha do bairro, os domingos na casa da vovó, os banhos de mangueira e de bacia, bem como a diversão de escorregar na água com sabão enquanto minha mãe lavava a varanda, trazem lembranças de como nossa infância foi divertida.”

“Ele era enjoado para comer e, por ser o caçulinha, mamãe lhe fazia todas as vontades. Tinha as implicâncias: eu e meu irmão éramos loiros e de olhos verdes e ele era um lindo moreno de olhos castanhos. Daí, muitas vezes falávamos que ele era adotado, o que o deixava bravo. Certa vez, meu pai, estressado com essas briguinhas, colocou meu irmão na frente de um espelho e mostrou que ele era uma mini cópia do pai, explicando também que se alguém fosse adotado seria eu ou meu irmão, pois não éramos parecidos nem com ele e nem com minha mãe — nós tínhamos puxado nossa avó materna. Aí, a brincadeira perdeu a graça!”

“Schuberth era lindo e tinha um charme especial. Conquistou muitos corações. Falava que o segredo era sua pintinha na face — realmente era algo que se destacava. Minha filha Bruna nasceu com uma pintinha no mesmo lugar e ele sempre brincava que iria tirar a pintinha dela e devolver para o seu rosto.”

Schuberth trabalhava no almoxarifado de uma fábrica de chocolates. Lá, ele tinha uma grande responsabilidade, pois se faltasse alguma peça a fábrica poderia até mesmo parar. Sua memória era incrível: guardava o número dos códigos e até mesmo a prateleira onde a peça ou produto estava armazenado naquele almoxarifado imenso e isso impressionava seus colegas. Serviu na fábrica por muitos anos, começando como operário na produção de bombons e era muito querido por todos. Foi dispensado um ano antes de falecer e aproveitou o período para descansar de sua rotina estressante. Pensava em abrir seu próprio negócio e, sonhando em crescer, voltou a estudar e foi aprovado com louvor em um curso técnico.

Nas horas vagas multiplicava-se em diferentes formas de lazer: amava viajar, tinha paixão por carros, era fiel torcedor do Vasco; gostava de aventuras, especialmente as voltadas para o ciclismo com o seu grupo, o sportbikevv. Com sua "bike", ele se aventurava em trilhas, estradas e pelas regiões montanhosas do Espírito Santo. Amava praia e praticar esportes. Era bem forte, graças às artes marciais e à academia que frequentou na juventude. Também era apaixonado por velocidade. Em lugares seguros adorava dar cavalo de pau, chegando a participar de encontros de competição de carros que ele mesmo turbinava.

Teve um "kart" e nos finais de semana gostava de se divertir com os amigos. Aprendeu com o pai a amar e consertar carros e tinha seu xodó, um Diplomata dos anos 1980 que era lindíssimo e super cuidado por ele. Gostava de fazer palavras cruzadas, visitar os pais e brincar feito criança soltando pipas em companhia do Scharlles.

Apaixonado pelo Vasco, possuía canecas, bandeiras de todos os tamanhos e outros objetos do time. Junto com o pai e o cunhado formavam uma torcida muito animada e assistiam à maioria dos jogos juntos. Foi algumas vezes a estádios para ver seu amado time jogar. O irmão Scharlles era fluminense e a “disputa” e comentários entre os dois eram uma verdadeira comédia de se assistir.

Schuberth gostava de comer bem e entre suas comidas preferidas estavam o churrasco e o feijão tropeiro, principalmente. Também amava torta de pão, muito usada em aniversários. Ele e Scharlles disputavam quem comia mais pedaços. Tudo isso regado a muito refrigerante do tipo "cola". Ficou um período muito grande sem consumir o seu preferido, o que gerou estranhamento na família. Somente após seu casamento ele contou que havia se proposto a jejuar, orar e se abster de beber aquele refrigerante até sua festa de seu casamento com o objetivo de que Deus abençoasse a realização desse sonho.

Ele foi criado na Igreja Presbiteriana, onde aprendeu sobre Deus e a Bíblia. No auge de sua adolescência teve o desejo de experimentar alguns prazeres, como festas e garotas, mas não apreciava bebidas e nunca usou nenhum tipo de droga.

Por volta dos 30 anos Schuberth refletiu sobre a vida e constatou que queria amar e servir a Deus, voltando a congregar, dessa vez na Igreja Batista. Nesse período, precisou ser internado numa UTI devido a uma miocardite e teve uma grande experiência com Deus. Orava com fervor, gostava muito de ler a Bíblia e marcava os trechos que chamavam mais a sua atenção. Foi escolhido como diácono e serviu também à comunidade religiosa.

Foi um homem trabalhador, um servo de Deus, filho e pai dedicado, que sonhava em ter mais um filho e compartilhava com paixão com a filha Marcella o sonho de um dia ter uma casinha no campo e morar na roça, provavelmente em seu lugar preferido, Pedra Azul.

Schuberth era cuidadoso e possuía uma saúde de ferro, mas foi o primeiro da família a falecer vítima da Covid-19, precedendo o pai e o irmão mais velho, que também se foram, todos num período de três meses. “No período em que esteve com a doença ele buscou incessantemente ao Senhor, mas foi da vontade do nosso Deus abreviar o seu sofrimento e levá-lo para o Céu”, conta a irmã.

Ele deixou vários ensinamentos, especialmente em relação ao seu coração imenso e também sobre honestidade. Também deixou exemplos de resiliência, pois lutou muito para vencer suas batalhas com força, equilíbrio e amor, além de ter sido um homem de coragem que, consciente de seus erros, buscou novas chances de se perdoar e ter uma nova vida. Ele será especial para sempre!

Scheila finaliza sua homenagem dizendo: “Ficou marcado por ter muitos amigos que ainda choram a sua perda, ou seja, ensinou que um amigo é um tesouro precioso e que vale a pena insistir nesse bem querer. Lutou muito! O nosso consolo é saber que está no Céu, lugar onde não há dor nem sofrimento, e que um dia estaremos todos juntos! Como sinto sua falta! Saudade sem fim"!

O pai e o irmão de Schuberth também foram vítimas da Covid-19. Para conhecer um pouco da história deles acesse as homenagens a Alcebíades Castório de Farias e Scharlles Andrade de Farias neste Memorial.

Schuberth nasceu em Vitória (ES) e faleceu em Vila Velha (ES), aos 40 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã e pela filha de Schuberth, Scheila Andrade de Farias Werner e Marcella Corrêa de Andrade. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 6 de dezembro de 2022.