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Sebastião Miranda Ramos

1962 - 2021

Motorista amado pelos passageiros, encantava sua neta buzinando o micro-ônibus desde a esquina, só para avisar que estava chegando.

Sebastião era um homem que se destacava por seu amor ao trabalho e à vida profissional, que iniciou quando ele tinha apenas 12 anos. Fez de tudo e sempre se virou como vendedor de picolé, peixe e até como engraxate.

Para ele nunca houve tempo ruim. Se firmou no ramo rodoviário por vinte anos, em uma mesma empresa. Primeiro como cobrador, depois passou ao cargo de fiscal e, finalmente, depois de devidamente habilitado, passou a motorista de um veículo especializado no transporte de cadeirantes na Grande vitória, Espírito Santo, apelidado de “Mão na Roda”.

Extremamente dedicado e apaixonado pelo que fazia, era muito paciente, tratava os seus passageiros com grande carinho e amava a cada um de forma tão particular que acabava por conquistá-los, a ponto de ser convidado e comparecer a almoços e festas em suas próprias casas.

Era feliz e grato pela vida e pelo seu trabalho. Nunca teve uma falta na empresa, e assim trabalhou até um dia antes de ser internado. Muito solícito, fazia questão de ajudar a todos e, se fosse preciso, tirava a roupa do corpo para dar ao outro. Tinha uma legião de amigos por onde passava e sempre deixou claro que qualquer trabalho que fosse digno e trouxesse comida para mesa, era válido.

Sua família era de Aracruz, mas se estabeleceu em Cariacica, também no Espírito Santo, onde alguns de seus membros inauguraram a primeira igreja Assembleia de Deus no bairro, e até chegaram a morar nela por algum tempo.

Sua mãe teve 12 filhos. Na árvore genealógica que montaram, Sebastião sempre se destacava por ser muito divertido. Todo final de ano "os Ramos" se juntavam para uma festa anual e ele, sempre muito ativo, era muito querido por todos.

Sebastião conheceu sua esposa na igreja do bairro e se casaram quando ele estava com 21 e ela com 19 anos. Mais tarde se separaram, mas continuaram com ótimo relacionamento. Quando ele chegava assoviando, ela já vinha com o café e pão ou o prato do almoço feito para ele.

A separação dos dois não desmantelou a família e, sempre que possível, estavam todos juntos. Ele tinha muito orgulho de seus três filhos e sua maior satisfação foi ver o mais velho se formar na faculdade e também poder conhecer seus três netos. Quase morreu de alegria ao ver sua primeira netinha – Maria Fernanda - vestida com uma roupinha do Botafogo, seu time do coração e cuja camisa ele não tirava do corpo.

Ele era apaixonado pela neta. Vinha com seu micro-ônibus buzinando desde a esquina para avisar que estava chegando para vê-la e ela sempre saía correndo ao encontro dele. Ele a criou como filha e tinha muito orgulho disso; seu coração ficou deslumbrado quando a neta o chamou de "papai" pela primeira vez.

Ele se dava muito bem com todos os familiares. Era muito educado, alegre, brincalhão, “muito pra cima”, amoroso, acolhedor e prestativo. Muito zoador, tinha sempre um apelido para cada pessoa. Assim Roquellem era chamada por ele de “Roquela”; Rai, “Meu Pretoque”; Mayckon, era “Cleusobeck”; Thyffany, “Maria Thyffany”; Betânia, “Bezona”; Ryckson, “Ricote” Clayton, era o “Clemo”.

Vivia de uma maneira tal que, as ausências impostas pelo trabalho eram compensadas quando todos podiam estar juntos, momento em que ele era o centro de todas as atenções.

Em suas folgas, amava uma cervejinha e receber visitas fazendo de tudo para agradar a todos. Era louco por música e gostava de cantar no karaokê. Fazer amizades era com ele, e com seu coração enorme, se aproximava facilmente das pessoas.

Conta a filha Roquellem: “Conquistava as pessoas com sua simplicidade e alegria. Em um dos nossos últimos almoços ele mandou comprar um galeto e um latão de cerveja e comeu com tanta vontade que deu gosto [ver]”.

E continua saudosa: “Muito conhecido, o Miranda, como era chamado, deixou amores por onde passou. Quando éramos crianças, eu e meu irmão Clayton, soltávamos pipa, jerequinho de papel que meu pai fazia, brincávamos de carrinho de rolimã. Eu nunca o ouvi gritar com ninguém nessa vida. Ele não gostava que tratasse ninguém mal e se fizesse maldade com alguém, aí ele ficava bravo. Outra coisa que ele nos ensinou é o respeito pelo próximo, ser humano acima de tudo, ser desprovido de preconceito e distribuir amor a todos”.

Quando jovem, tocava guitarra e trompete. Chegou a compor alguns hinos na igreja que a família fundou. Um deles afirma que: "Maravilhas só Deus é quem faz" e se encontra disponível em https://youtu.be/MwvWJdfXP8I).

Ninguém o via reclamar da vida ou dos problemas, independentemente do que estivesse vivendo. Ao contrário, parece que tudo era motivação para sorrir e a palavra gratidão era a mais adequada para resumir sua vida.

Um de seus irmãos assim o descreve: "tinha muita disposição para trabalho e era muito cômico, com ele quase tudo virava uma piada. Isso era da própria natureza dele. Ele foi o mais sapeca e esperto, gostava de soltar pipas, jogar pião e bolinhas de gude. Se preocupava muito com a família e fazia de tudo para não dar trabalho ao próximo. Na igreja ele colocou apelido nos amigos da época e até hoje, depois de tantos anos, todos são chamados pelos mesmos apelidos”.

É difícil para Roquellem escolher uma característica mais marcante do pai: “Acho que era... a de um cara muito trabalhador e honesto. De valorizar o trabalho e ser um excelente profissional, não importando a função. Ele sempre estava disposto a fazer o seu melhor independentemente de onde estava. Acho que um jargão dele era o de sempre chegar assoviando e mudar a voz dando uns gritinhos rs...”

Algumas das lições ele ensinou de forma prática quando levava as crianças com nove e dez anos para vender picolé, cerveja, refrigerante e água na praia para poderem ajudar a comprar comida para dentro de casa e tentando fazer isso de uma forma divertida como só ele sabia fazer.

Sebastião deixa saudades....

Sebastião nasceu em Aracruz (ES) e faleceu em Serra (ES), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado Pai e filha de Sebastião, Roquellem Hermes Ramos. Este tributo foi apurado por Mariana Nunes, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2022.