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Sebastião Pereira de Matos

1955 - 2020

O melhor contador de histórias de São Gonçalo. Em sua boca qualquer causo virava lenda.

Trabalhou desde criança. Nascido na roça, se acostumou desde cedo a pegar no batente. Saiu ainda novo, com apenas 4 anos de idade, da pequena cidade de Santo Antônio de Pádua, no Rio de Janeiro e se mudou para São Gonçalo, também no Rio. Começou capinando, depois trabalhou em pomar, passou para funcionário de padaria e trabalhou ainda em depósitos de gás.

Teve a sorte de um amor tranquilo e bonito. Aldiceia fugiu de casa para se casar com Sebastião. Talvez de alguma forma ela soubesse que ele era especial, e que um esposo como Sebastião, é difícil de achar. Depois de um tempo, a família aceitou o casamento e o rapaz acabou se tornando muito querido pela família da esposa.

A união dos dois foi muito forte e cheia de alegrias. Os problemas e dificuldades foram muitos, mas passageiros. Ficou a ternura e o afeto do casal que carinhosamente se chamava de “Mô”. Juntos tiveram três filhos, que aprenderam com os pais os valores do trabalho e da honestidade.

Sebastião batalhou muito para poder proporcionar as melhores coisas para a família. Sempre se dedicou aos seus, a preocupação era pouca e o amor era muito. Quando começou a formar família, tinha uma carrocinha e vendia cuscuz, ficou conhecido como “Rei do Cuscuz” de tão gostoso que era a sua especialidade. Depois, vendeu ainda pastel na mesma carrocinha, e mesmo que não fosse chamado de “Rei do Pastel” todos sentiam a majestade do salgado quando comiam um. Teve que abandonar a carrocinha depois que sofreu um acidente e acabou atropelado, mas como sempre, se refez e começou de novo. Foi trabalhar de recepcionista em um hotel, onde ficou até se aposentar.

Foi mil e uma coisas nessa vida. Quando pareceu que já havia feito de tudo, inventou ainda ser barbeiro. Sempre gostou de cortar cabelo, e treinava cortando o cabelo das pessoas da família. Quando as filhas eram pequenas, cortava o cabelo delas no corte “Joãozinho”; depois foi se aperfeiçoando até ficar no agrado de todos.

Tinha muito orgulho da família que construiu, e dos filhos trilharem o caminho do bem assim como ele ensinou. Enchia a boca para dizer que tinha filha bibliotecária. A caçula de Sebastião foi a primeira da família a cursar uma faculdade, e o pai se derretia de orgulho quando falava nisso. Vovô babão, sua alegria era mimar os netinhos que tanto amava, e contar as histórias que só ele sabia como contar.

A vida inteira gostou de ajudar e foi prestativo. Quando visitava os parentes sempre levava alguma coisa. A família de Aldiceia tem um sítio, e Sebastião nunca apareceu por lá de mãos vazias. Sempre havia um pão, um pastel, um cuscuz para servir de agrado. Ajudava financeiramente quando alguém precisava. Sebastião era a quem a família recorria quando precisava de socorro. Era uma espécie de salvador.

Amava contar piadas e histórias. Às vezes, demorava tanto num causo que era preciso pedirem para resumir, porque se não a história seria eterna. Era encantado por folia de Reis. Certa vez, ouviu um barulho da janela de casa e, quando viu que era a folia, saiu correndo pela janela para acompanhar a festança. Gostava muito de cantar e tocar violão, e amava dançar um bom forró. Não abria mão de um bom vinho, coisa que ele apreciava demais quando tinha a oportunidade.

O homem piadista e divertido faz falta, e sem o colorido da sua alegria do mundo parece um pouco mais cinza. Os netos sentem saudade das histórias que só Sebastião sabia contar, e dona Aldiceia sente falta de chamar pelo “Mô”. A família lembra dele todos os dias, e sabe que essa separação é temporária. Um dia, o reencontro acontecerá, e vai ser cheio de amor e quem sabe, uma folia de Reis aconteça pra deixar tudo mais especial ainda.

Sebastião nasceu em Santo Antônio de Pádua (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Sebastião, Angela Cardoso de Matos. Este tributo foi apurado por Malu Marinho, editado por Bárbara Aparecida Alves Queiroz , revisado por Ana Macarini e moderado por Larissa Reis em 30 de março de 2021.