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Silvano Reis de Andrade

1958 - 2021

Vaidoso, tinha o capricho de manter o cabelo sempre pintado, bem como suas sobrancelhas.

Tinha um talento nato para contar histórias, com uma fé inabalável daqueles que somente contam a verdade - ou que, pelo menos, acreditam naquilo que estão dizendo. As doses de exagero poderiam ser creditadas ao lado "pescador", não fosse o fato de que Silvano detestava pescaria. Talvez esse desgosto pela particular atividade fosse o selo de veracidade que as pessoas necessitavam para acreditar em suas palavras, quando deveria bastar o fato de saber que esse homem viveu uma vida cheia de causos incríveis. "Uma vida única que não podia ser contida em qualquer história que ele - ou a gente - contasse.", comenta a filha Letícia.

Herdou de seu pai, Braulino Silvano de Andrade, mais que o sobrenome que virou nome. Herdou o dom de alegrar, a paixão pela vida e a preocupação de quem desejava o bem de todos, mesmo que não entendesse ou apoiasse a decisão que os outros tomavam. Entendia a máxima de que cada um sabia de si e estava disposto a ajudar quem precisasse, mesmo que com um sorriso. Muitas vezes chorou por não poder conceder o apoio que julgava justo e necessário - mas, como todo homem de seu tempo, engolia as lágrimas e se concentrava em seguir em frente. Não havia tempo para tristezas, a luta tinha que ser pela felicidade, principalmente quando era dia do seu time do coração "O Verdão".

Foi um homem de hábitos e gostos simples. Retirante da Bahia, deixou - como muitos de sua cidade -, a pequena Candiba, aos 17 anos, para tentar a sorte em São Paulo. Trabalhou muito, sempre disposto a conquistar sonhos. Queria uma boa vida para si e para sua família. Ajudou seus pais, seus irmãos e não poupou esforços para dar o melhor possível para sua esposa, Silvia e suas duas filhas: Bruna e Letícia. Embora não fizesse questão de luxos, não conseguia deixar sua vaidade se extinguir. Gostava de suas camisas alinhadas, de suas calças sempre limpas, estava atento à moda.

Considerava sempre que a velhice e o fim da vida estavam muito longe, não gostava de falar sobre, talvez com um medo de que elas chegassem sorrateiras e levassem aquilo que ele mais prezava: sua saúde e sua independência, de espírito e de mente.

Mas, como no paradoxo que tece a vida dos seres humanos, era sempre o primeiro a estar presente quando da morte de alguém querido. Dava apoio, ombro, contava algo de bom sobre a pessoa que tinha partido, para consolar os que aqui ficavam. Sempre visitava os parentes e amigos no hospital caso a doença assolasse, contava histórias - seu maior talento - para os senhores que, em idade avançada, fossem trapaceados pelo efeito do tempo e atingidos pela fraqueza da mente.

Honrava a memória, qualquer que fosse. Porque, talvez de forma inconsciente, soubesse que era a única coisa que o tempo jamais pode manchar.

Deu exemplo de amor, seriedade, moral e lealdade para com os seus. Pagou suas dívidas, deixou tudo arrumado e organizado pois era assim que sempre tocava suas tarefas. Responsabilidade era algo que prezava, embora sempre as tocasse com a leveza que todos os afortunados com espírito alegre sabem ter.

Deixou amigos, parentes e até mesmo os clientes de seus restaurantes saudosos de seu convívio. Mesmo após sua partida, ainda faz seus entes queridos sorrirem, graças às lembranças lindas que criou durante sua passagem.

Como diria Roberto Carlos, de quem era um fã absoluto: "Olhando seus cabelos tão bonitos, beijo suas mãos e digo. Meu querido, meu velho, meu amigo!".

"O seu sorriso ficou gravado em todos que te amaram e que você amou. Descanse em paz, meu pai."

Silvano nasceu em Candiba (BA) e faleceu em São Bernardo do Campo (SP), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Silvano, Letícia Brito de Andrade. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Letícia Brito de Andrade, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 31 de maio de 2021.