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Sônia Lamim de Almeida

1945 - 2021

Dizia que a vida é uma graça, um dom divino. Para sua família a verdadeira dádiva foi tê-la por completo em sua vida.

Sônia nasceu em meio a onze irmãos numa cidade pequena do interior de Minas Gerais.

Sempre quis muito estudar e teve a grande chance de sua vida quando conheceu, em Volta Grande, uma irmã de caridade de nome Odila que percebendo sua vontade de ir além do que era oferecido para as mulheres da época, levou-a para Goiás Velho, no interior goiano. Lá, aproveitando esta oportunidade única, estudou e logo se tornou professora.

Dedicada, foi aprovada em primeiro lugar num concurso e trabalhou em Juiz de Fora, Minas Gerais, onde viveu a maior parte de sua vida. Aposentou-se cedo e dizia que, apesar do amor e cuidado que tinha pelos seus alunos, não tinha paixão por lecionar. Entretanto, deu aulas de catequese e, posteriormente, foi guia nas Oficinas de Oração, onde ficou por muitos anos. As "oficinistas" a adoravam e ela realmente se envolvia com as sessões: estudava, ensaiava o que fosse falar. Segundo Bruna, sua neta: "Vê-la ensaiar era muito bonitinho"!

Antes de mudar-se para Juiz de Fora, ainda em Volta Grande, conheceu Messias. Ela dizia que ele era todo galante e que quando via moças bonitas ia logo cumprimentando com um costumeiro "Oi, meninas"! Até que se apaixonou por ela e não teve sossego enquanto não a conquistou.

Casaram-se em janeiro de 1969 e permaneceram juntos por quarenta e um anos, até o falecimento dele. Sônia foi uma esposa totalmente dedicada e quando Messias infartou a primeira vez com pouco mais de 30 anos, ela se desdobrou nos cuidados com ele, mantendo-se atenciosa e preocupada com o seu bem-estar 24 horas por dia.

Com Messias, teve as filhas Alba, Micheline e Suyanne, além de Bruna, de quem ela considerava ser uma avó-mãe. A neta conta as razões de seu apego a avó: “Minha mãe me teve aos 18 anos e bem nova se separou do meu pai, voltando para a casa dos meus avós. Por isso, morei com ela por toda a vida. Mesmo quando me mudei por um tempo para trabalhar fora, voltava todos os fins de semana para visitá-la.”

Bruna diz que como mãe e avó Sônia não era diferente: “Estava sempre a postos para nos dar colo e oferecer um café. Suas mãozinhas finas, que nem pareciam trabalhar tanto de tão delicadas, tinham um efeito quase terapêutico em nós. Nos diversos áudios que enviava às filhas e aos netos no correr dos dias, demonstrava preocupação com seus amados, perguntando se estavam precisando de algo ou se tinham se alimentado, além de ofertar palavras de incentivo e sabedoria, com seu jeito bem-humorado e tão especial". Em um desses áudios disse à neta que "a vida é uma graça, que viver é um dom de Deus e que desejava amá-la até os últimos dias de sua vida.”

Era apaixonada pelo neto Felipe e sua maior felicidade era estar reunida com a família, contagiando a todos com sua alegria e bom humor. Nestes momentos, ela amava quando todos se reuniam para assistir televisão, se deliciar com as refeições que preparava e conversar sobre os mais variados assuntos. Por ela, estaria sempre ao lado de alguém, mesmo que estivesse fazendo algo que pudesse fazer sozinha.

Ela cuidava e se doava a todos que precisavam dela. A todo instante, preocupava-se em demonstrar o seu amor por meio de ações: preparava comidas deliciosas, trazia uma toalha para o banho, arrumava a cama. Quando recebia visitas, geralmente familiares e amigos que iam a Juiz de Fora para consultas e exames, pensava em cada detalhe para agradá-los.

Era romântica e amava assistir novelas. Nas horas vagas, ela estava sempre com o celular nas mãos, atenta a um joguinho de combinação de blocos, ou aproveitava para jogar buraco, passear com as irmãs pelas ruas e vender, pois vendia inúmeros produtos para complementar a renda — habilidade, inclusive, que adorava colocar em prática.

Também ocupava o tempo na Igreja participando de um grupo de retiros, de ações de caridade e de celebrações, como teatro e apresentações nas quais se envolvia o máximo possível. Era uma trabalhadora incansável, abrindo mão de tudo para estar nos seus afazeres religiosos. Depois de sua aposentadoria e do falecimento do seu grande amor, participar ativamente das atividades da Igreja era o que preenchia a sua vida. Dizia à família que fazia as atividades da Igreja com esmero para construir uma casa bem bonita no céu!

Bruna tem a memória recheada de lembranças do que viveu com a avó e as relata com muito carinho, destacando uma mensagem que recebeu no seu aniversário de 13 anos, escrita com uma caligrafia impecável:

"Hoje, quero deixar para você uma mensagem de amor e carinho, destas que o tempo não destrói e você jamais deixará de lembrar. Seja carinhosa, amável e bondosa tanto nos sentimentos como nas atitudes em relação àqueles que estão ao seu lado. Nós não podemos fazer felizes a ninguém, mas podemos dedicar-nos a entregar copos de felicidades, taças de carinho; atitudes, gestos, olhares e sorrisos. Com isso, não fazemos felizes a ninguém, mas repartimos pequenas porções de alento, felicidade e esperança! Para que você seja assim é preciso buscar em Deus um pouquinho de tudo."

E ela continua contando:

“Éramos extremamente grudadas. Então, muitas músicas me fazem lembrar dela. A versão brasileira da canção 'Diana' interpretada por Carlos Gonzaga é a mais marcante, sem dúvida. Entre as lembranças mais divertidas está a de quando reunia todos na sala de sua casa e entoava 'Diana' a plenos pulmões acompanhada pelos acordes dos violões de seus netos.”

“Quando fui viver com meu companheiro, optei por morar no mesmo bairro, para ficar pertinho dela. Ela e eu fazíamos guarda compartilhada da minha cachorra, Mel. Quando adotei a cachorrinha, minha avó não queria animais de estimação em casa. Disse a ela que seria por pouco tempo. Com o passar dos meses, vovó acabou sendo conquistada! Tanto que, quando me mudei, ela pediu para deixar que a Mel ficasse a seu lado parte da semana e ela gostava de cantar: 'Meeel, tua boca tem um mel', quando a chamava para 'papar com a vovó'."

Bruna conclui sua homenagem dizendo: “Vovó foi minha mãe, meu colo e uma das coisas mais cruéis foi ter que passar o luto do meu pai — que morreu de Covid-19 em 2020 — longe dela e com medo de perdê-la também para, menos de um ano depois, ter que lhe dizer adeus”.

Sônia nasceu em Volta Grande (MG) e faleceu em Juiz de Fora (MG), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Sônia, Bruna Almeida Marlière. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 13 de março de 2023.