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Tereza Cristina Silva João

1959 - 2020

Não gostava de cozinhar e mesmo quando o esposo quis ensinar, sem titubear, disse que não precisava.

Mãe do Fernando e da Manuela, esposa do Joaquim, irmã de sete e amiga de tanta gente... Essa são algumas dimensões da vida de Tereza Cristina, uma mulher dona de um sorriso fácil, simpática com todo mundo e de uma personalidade leve e alegre. Como a mais velha de oito irmãos, assumiu uma certa posição de comando, que levou para toda a vida. Na família e no trabalho sempre foi referência.

Como mãe e esposa, sabia muito bem impor as regras. Todos sabiam que ela não gostava de ser contrariada naquilo que definia como limite do aceitável na organização da rotina e da casa. “Ai de quem não andasse na linha” resume a filha Manuela, ressaltando que essa característica não significava agir de forma carregada. No geral Tereza Cristina era carinhosa, mas quando o momento exigia, tinha suas explosões no afã de recolocar as coisas no seu devido lugar.

Um acontecimento demonstra bem o temperamento e o modo de agir dela. Cristina gostava da casa sempre arrumada e “como boa virginiana, ela tirava férias pra arrumar a casa,” conta sorrindo a filha Manuela. Quando na adolescência a filha deixava o quarto completamente bagunçado, Tereza, ao constatar o fato, fechava a porta do cômodo para não ter que ficar convivendo com aquilo. Uma atitude que ao mesmo tempo embutia respeito a si mesma e pela etapa vivida pela filha.

Em outro fato, quando Manuela era criança, foi um pouco diferente. A filha resolveu subir no telhado para pegar uma bola. Quando Cristina chegava a pé em casa, foi avisada pelo baleiro da esquina que a menina estava em cima do telhado. Desesperada e aflita, Tereza pôs-se a gritar com Manuela para que descesse logo. Gritou tanto que a vizinhança toda percebeu e saiu para a rua para ver e tentar entender o que se passava. Uma vez no chão, Manuela foi duramente repreendida pela mãe que como castigo definiu que depois desse dia, era proibido brincar de bola no terraço. Determinou também que por um mês a filha não poderia convidar ninguém para ir brincar com ela em casa. Cristina sempre contava essa história, dizendo que o chão “era sempre muito banal” para Manuela.

A relação de Cristina com Fernando, o filho mais velho, foi marcada, entre outras dimensões, pela religiosidade. Nascido em 13 de maio, ele herdou da mãe a devoção a Nossa Senhora de Fátima. Anualmente, Cristina e ele participavam da procissão das Velas em Belém, capital do Pará, onde juntamente com todos os fiéis eles faziam suas orações à Nossa Senhora. Em 2015, toda a família foi até a cidade de Fátima, em Portugal, participar das celebrações do 13 de maio, viagem que foi muito marcante para os dois. Em um outro aniversário, Fernando e a mãe estiveram no Santuário de Santa Paulina. A viagem até Santa Catarina foi como um presente para os dois.

O apoio necessário à realização de sonhos e projetos pessoais dos filhos, independentemente do que estivessem fazendo, eram uma constante. Tereza Cristina sempre foi uma mãe extremamente engajada e feliz. Costumeiramente, demorava-se na escola para que os filhos pudessem brincar um pouco mais depois da aula. Outras vezes levava os colegas para casa a fim de garantir a continuidade da brincadeira. Também era companheira nas sessões de cinema, nas maratonas de filmes de Oscar, nos treinos de corrida.

Com o esposo Joaquim, “Cris”, como era chamada por ele, a relação foi de cumplicidade e companheirismo. Muito católicos, durante uma parte dos 32 anos de relacionamento, foram casados somente no civil. Somente após a anulação de um outro casamento religioso de Cristina, e com os filhos já grandes, conseguiram realizar a celebração religiosa marcada de sentimento e emoção. Um dos momentos de maior emoção de Cristina foi quando, durante o ritual do casamento, pode voltar a receber a comunhão. É que na igreja católica, uma pessoa que se casa no religioso e passa a ter outro relacionamento amoroso não pode mais receber a comunhão.

Depois da celebração aconteceu um jantar onde os dois dançaram juntos a música “Chamegoso”, de um compositor regional chamado Marco Monteiro. A canção acompanhou o casal durante toda a relação e tem um ritmo dançante chamado “Ijexá”, que tem origem na Nigéria. O arranjo conta com diversos instrumentos de percussão, tais como o “agogô” que determinam o andamento da melodia.

Bom dizer que o cozinheiro da casa era Joaquim. A cozinha não era o lugar predileto de Cris. A filha Manuela conta, entre risos, que quando os dois ainda eram namorados, Joaquim certa vez disse que iria ensiná-la a cozinhar. Sem titubear ela devolveu "que não precisava".

Cristina gostava somente de preparar algumas sobremesas. A Torta Alemã dela era famosa e estava presente em diversos encontros. De tanto os familiares pedirem a receita, ela acabou compartilhando o passo a passo no grupo da família.

Um fato pitoresco marcava a rotina do casal. Diariamente, os dois sempre assistiam juntos a um jornal de uma grande rede de comunicação brasileira. Quando por algum compromisso de um dos dois não era possível assistir ao telejornal ao vivo, o programa era gravado para que assistissem juntos um pouco mais tarde.

Ainda no campo dos afetos, Tereza Cristina, que não teve netos, tinha os sobrinhos João, Pedro e Davi, filhos da irmã mais nova Eliane como se assim fossem. O carinho mútuo ficava evidente em atitudes e mimos de Tereza em relação aos três. “Tetê”, como era chamada carinhosamente pelos três, ensinou a eles o amor pela natureza e muitas vezes estiveram juntos para ver o pôr do sol e o nascer da lua. Com isso, Davi, o menorzinho, sempre que vê a lua cheia lembra dela.

“Tetê” também era o nome dela para os amigos dos filhos, tidos por ela como “sobrinhos do coração”. A casa da família sempre esteve aberta para encontros dos jovens. Joaquim cozinhava para todos e o jeito acolhedor de Tereza acabava conquistando a admiração dos amigos dos filhos. Aos poucos ela passou a ser chamada de “Tia Tetê” que pegaram emprestado dos queridos sobrinhos.

Sobre as diversas formas de tratamento que Tereza Cristina foi colecionando durante a vida é bom explicar. Nos ambientes em que era conhecida “por ela mesma”, se apresentava e era chamada de Tereza. Se o vínculo estivesse associado aos amigos de Joaquim, ela era chamada de Cristina, uma vez que o esposo sempre a chamava de “Cris”. Para os sobrinhos por vínculo familiar ou de coração ela era a “Tetê” ou “Tia Tetê”.

Por onde passava, Cristina colecionava amigos. Muitas amizades foram construídas no grupo de jovens da Igreja. A mais próxima era a Graça, que convidou Tereza para ser madrinha de uma das filhas dela. Também tinha um grupo de amigas chamado "As Maricotas". Frequentemente aconteciam encontros desse grupo que surgiu já na fase adulta no trabalho como servidora pública. Como funcionária do Tribunal de Contas do Estado, também fez muitas amigas. Incluindo um grupo que se reunia toda sexta-feira, para a tradicional "Sexta da Golada". Tem também a Valdete, amiga desde a faculdade; as duas se consideravam irmãs. Pelo fato da amiga morar em Macapá (AP), não se viam com tanta frequência. Contudo, sempre que podiam estavam em contato para boas conversas por telefone e chamadas de vídeo por aplicativo.

O voluntariado sempre esteve presente na vida de Tereza Cristina e ela sempre estava envolvida em alguma causa. Foi voluntária na Casa do Menino Jesus, em um trabalho com crianças carentes com câncer. Também trabalhou com viciados em drogas numa comunidade em Mosqueiro, distrito de Belém. Em outra frente de trabalho, era colaboradora e ajudava nos projetos sociais da paróquia da igreja de Santo Antônio de Lisboa. Outro caso marcante lembrado pela filha Manuela foi a ajuda que Tereza deu a um rapaz que estava sendo injustamente processado por um crime que não cometeu. Ela não descansou até que ele fosse absolvido.

Na vida profissional, Tereza era muito competente e dedicada ao que fazia. Funcionária pública, ela foi a única chefe de gabinete na história do Tribunal de Contas do Estado do Pará, a exercer a função no mandato de dois presidentes diferentes no TCE-PA. Por seu jeito de ser, transitava bem e era querida por muitos colegas de trabalho e recebeu diversas homenagens após seu falecimento.

Tereza Cristina sabia aproveitar as “pequenas” coisas. Nos momentos de descanso, adorava abrir uma garrafa de vinho e saborear ouvindo músicas. Os cantores prediletos eram Caetano Veloso e Paul McCartney. Outras vezes colocava uma rede na varanda e ficava tomando vento para relaxar. Amante da natureza, gostava de ir até a baia do Guajará para apreciar o pôr do sol. Buscando companhia, ela dizia, “vamos, vai ser bonito”. Cultivava plantas e quando floriam mandava fotos para familiares e amigos. As noites de lua cheia também eram especiais para ela. A filha Manuela conta que por diversas vezes a mãe “invadia” o seu quarto, o melhor ponto da casa para apreciar o espetáculo lunar. Amava viajar e estar na praia de frente para o mar.

Tereza para alguns, Cristina para outros, tia Tetê para os sobrinhos pequenos e para os amigos dos filhos segue viva em cada sopro do vento, cada onda do mar e principalmente no brilho das noites de lua cheia.

Tereza nasceu em Belém (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Tereza, Ana Manuela Silva João. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 1 de outubro de 2021.