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Thales da Paz Monteiro de Castro

1937 - 2020

Era incansável e expressava amor e carinho com mimos repetidos diariamente, principalmente guloseimas.

Era teimoso e inquieto, mas foram esses atributos que o fizeram sobreviver às inúmeras aventuras ao longo da vida. Filho de militar, entrou no exército para largar quando ainda jovem, mas manteve a disciplina, a mania de dar ordens e o corte de cabelo militar até seus últimos dias. Manteve, também, o apelido de caserna: “Seu Monteiro”.

Acordava todo dia bem cedo e trabalhava até nos feriados. Mesmo cansado, lia três livros por semana e dava sempre muitas dicas de documentários e de História. Foi isso que o fez chegar aos 83 com uma lucidez e disposição invejáveis. Não demonstrava emoções vulneráveis.

Mas mesmo para ele foi difícil segurar o choro quando o Brasil levantou a taça ao conquistar o tetra. Nunca disse “eu te amo” para a filha caçula, mas literalmente todo dia preparava seu café da manhã com mamão e banana cortados em quadradinhos iguais, sempre acompanhados de um achocolatado. Acordava a filha e a levava para a escola ao som de "Falsa Baiana" ou "Saudosa Maloca".

Demonstrava carinho comprando doces e exagerava. Se você dizia que gostava de suspiros, todo santo dia ele iria levar um pacote de suspiros pra casa, até você enjoar. Foi assim com broa, suspiros, Toddynho, sonhos, quindins e, nos últimos dias, bolo.

Nunca bebeu nem fumou. Seu vício era açúcar, o que é complicado para um diabético. Comprava escondido refrigerante, bebida com a qual tomava até seus remédios, e ai de quem o aconselhasse a beber água! Respondia que “água enferruja”. Deixou cinco filhos e cinco netas (sim, todas mulheres). A mais nova tinha um mês e alguns dias quando ele faleceu. Ao menos pôde conhecer a neta da única filha que ainda não tinha lhe dado esse presente.

Companheiro de samba, shows de jazz, teatro, livrarias, exposições, feirinhas de rua, museus, viagens para lugares carregados de história, leitura e conversas sobre os deuses astronautas.

O incansável descansou.

Thales nasceu em Belo Horizonte (MG) e faleceu em Manaus (AM), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha caçula de Thales, Clotilde Miranda Monteiro de Castro. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Otacílio Nunes e moderado por Rayane Urani em 21 de março de 2021.