1946 - 2020
Cheio de sabedoria e honestidade; sua forma de dizer “eu te amo” era comprando a comida favorita da família.
Filho de imigrantes japoneses, carregava a identidade asiática em seu biotipo: era franzino e tinha por volta de 1,73 m de altura.
Foi uma pessoa honesta, com senso de justiça e que honrava seus compromissos. Era persistente e por vezes teimoso também. Mesmo que meio mundo estivesse indo por um caminho mais fácil, porém errado, Tutomu seguia sua índole de fazer o certo, independentemente do quanto trabalhasse para isso. Falava pouco de si mesmo, de como se sentia; mas, por sua expressão, a família logo identificava quando não estava em um bom dia; ficava "na dele". Em seus dias bons, gostava de conversar sobre os mais variados assuntos e impressionava a forma com que ele sempre sabia um pouquinho de tudo, apesar de não ter tido uma vida acadêmica extensa.
Perdeu seus pais muito novo, na infância ainda; desse modo, foi criado pelas irmãs mais velhas e, em certa idade, foi enviado para longe, a fim de estudar e trabalhar como relojoeiro. Mesmo distante, nunca perdeu o vínculo com as irmãs, pois sentia muita gratidão a todas e preocupava-se com elas. Dedicou-se à família que formou, cumprindo com esplendor sua missão de marido, pai e avô. Proporcionou à família oportunidades de acesso à educação e a um trabalho digno, e lutou por todos a vida inteira. Era a figura central da família, a figura que representava a sabedoria. Filhos e netos amavam reunir-se com ele, que se sentia muito bem quando estavam todos juntos. E assim como ele se dedicava à família, os filhos e os netos também se dedicavam com amor ao querido Tutomu. Diziam que o avô era como o mar: calmo, mas sempre em movimento.
Nas horas livres, amava mexer na terra e cuidar de suas plantas enquanto tomava sol. Aos domingos, bebia sua cervejinha. Também se divertia ao jogar porrinha, pescar, fazer palavras cruzadas, assistir a filmes de faroeste e ver o Verdão jogando. Torcia para o Palmeiras, em São Paulo e no Rio, pelo Fluminense. Gostava de ligar seu radiozinho para escutar seus CDs e ficava cantarolando músicas de Leandro e Leonardo, Roberto Carlos e de muitos outros artistas que gostava.
Tinha uma habilidade incrível para cuidar de plantas, uma mão mágica, tudo que plantava dava frutos; inclusive, semeou amor: o maior legado que deixou para a família. Passava o tempo construindo gambiarras, fuçava aparelhos eletrônicos e consertava tudo o que tocava. Por ser uma pessoa muito curiosa, e persistente no que queria, um dos seus maiores talentos era aprender e isso ele fazia o tempo todo.
Gostava da culinária japonesa e atum cru era uma de suas comidas favoritas, assim como uma boa e temperada carne de porco. Ele se deliciava ao comer frutos do mar, como polvo, lula e camarão; e era chocólatra também, amava um docinho.
Seus prazeres na vida eram comer bem, viajar, assistir todo e qualquer tipo de esporte, tomar uma geladinha e estar com a família. Além de pretender viajar para as Olímpiadas do Japão e para muitos outros lugares do mundo, planejava, como grande parte dos brasileiros, ter a sua casa própria.
O depoimento da neta Maria Eduarda demonstra o quanto o avô era amoroso e sempre preocupado com a família: "ainda na UPA, antes de ser encaminhado para um hospital de campanha, o meu avô pediu que alguém de lá ligasse para nossa casa, pois estava preocupado com o que iríamos comer naquele dia. Era para avisar que havia anotado as senhas e as contas bancárias no jornal que leu antes de passar mal. Esse foi o último contato indireto que tivemos com ele: uma semana depois ele havia partido. Algo nos diz que ele foi preparado para o que a vida pudesse aprontar. Até naquela situação ele esteve preocupado conosco, com nosso bem-estar."
"Meu avô não era alguém que dizia 'eu te amo'", completa Maria Eduarda, "a sua linguagem de amor estava associada a comprar a comida que gostássemos, a cuidar da gente, a nos proteger. Foi o melhor pai e avô do mundo! Ele sempre será o nosso herói".
Tutomu Ichida era pai de Alexandre Toshio, também vítima da pandemia de coronavírus. Para saber a história do filho acesse a página de Alexandre Toshio da Conceição Ichida.
Tutomu nasceu em Pereira Barreto (SP) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela neta de Tutomu, Maria Eduarda Ichida da Silva. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Karina Zeferino, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 13 de julho de 2021.