1981 - 2020
Era a flor de Aruanda que dava cor à vida das filhas.
De tanto ouvir rap, Vanessa viveu como uma canção. Breve, intensa, urgente. Poderia, inclusive, ser a protagonista das tantas que decorou e que contam histórias sobre a experiência de ser: criança que assumiu responsabilidades de gente grande; adolescente que descobriu nos Racionais a paz de não estar só; e mulher, mãe solo e moradora do Capão Redondo que escolheu viver na verdade, ainda que ela doesse. Afinal, dor não é inerente ao existir? Dois verbos que só existem quando juntos. E que exigem outro: resistir.
Abraçou o candomblé, cultuou os Racionais e amou viver. Deu vida às giras, às rimas e às filhas Geovanna e Yasmin. Mais que mãe e dona de casa: a melhor mãe e a melhor dona de casa. Vanessa, a mulher dos cabelos vermelhos, do batom na cor da sua pele parda, das unhas longas e do lápis preto nos olhos castanhos com um tom de mel. Uma mulher de presença. Geovanna, a filha mais velha, guarda a imagem da mãe sorrindo como memória preferida. “Ela brilhava que nem ouro. Sua ginga era incomparável.”
Unida às filhas e à gatinha Keik, eram imbatíveis. Geovanna é assertiva: “Juntas, não tinha pra ninguém”. Com a mãe, aprendeu a amar ─ mais que o próximo: amar a si mesma. “Ela me aceitou lésbica e disse para a família que me amava de qualquer jeito. Eu podia enfrentar o mundo com minha mãe ao meu lado.”
A maior alegria de Vanessa era reunir a família em casa. Por isso, a dedicação diária em manter tudo organizado e confortável. De cerveja em cerveja, gostava de relembrar as histórias engraçadas. No Natal, não deixava de preparar seus pratos clássicos: a farofa de abacaxi e a costela bovina.
Sua frase clássica, “um dia fui carne, hoje sou navalha”, virou lema de vida para as filhas. A impossibilidade da despedida reforça a crença na continuidade da vida. Longe, mas não separadas. Hoje, a “flor mais linda” das filhas é uma mulher na estrada, a caminho de Aruanda.
Vanessa nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 39 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Vanessa, Geovanna dos Santos Barboza Araújo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Carolina Margiotte Grohmann, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 26 de novembro de 2020.