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Vera Maria Monteiro Bitencourt

1928 - 2020

Nos netos, Vera via a continuidade de sua tão feliz e batalhada história.

“Levem minhas cinzas para junto das flores.”

Vera era assim... tão direta, quanto feliz.

Carioca, de pais piauienses, casou-se com Pedro, um militar de coração apaixonado e seu único amor. Suas "joias raras", expressão usada pelo próprio Pedro em sua precoce despedida, quando foi vencido por um câncer, foram frutos de uma união de 28 anos, em que houve muita cumplicidade e paixão. Essas “joias” respondem pelos nomes de Maria das Graças, Maria Aparecida, Rodolfo e Maria de Fátima, sendo com esta última, o convívio mais longo, já que moraram sempre juntas.

Parecia não haver limites para Vera extrair, da vida, tudo o que pudesse. Nada poderia impedi-la de tirar o melhor de todas as situações. Não pôde concluir o curso no Instituto de Educação, local tradicional de formação de professores, no Rio de Janeiro? Sem problema. Não só se orgulharia do caminho escolhido pela filha professora Maria Aparecida, como, a cada ano, participaria das comemorações daquela que seria a sua turma. Não tinha como viver aqui para sempre? Tudo certo. Muito antes de saber quando e como encerraria sua passagem neste mundo, deixara a seus amados, muitos e que já incluíam nove netos e sete bisnetos, uma carta em que declara: “Vivi bem, a minha vida; agradeço a Deus por tudo (...) Não chorem.”

Falar de Verinha, como alguns a chamavam, é falar de alguém que misturava atitudes enérgicas com a doçura de quem sempre se fez amorosamente presente. Sempre atenta às necessidades dos mais carentes, dos que precisavam de qualquer auxílio. Não esqueceu de si própria, possuidora de profundos olhos verdes, era muito vaidosa — com seus cabelos, roupas e acessórios, sempre adequados, mesmo que fosse apenas para ir à padaria. Afinal, como oferecer aos outros o que não possuísse por si mesma, não é?

Nada de ficar em casa. Além da dedicação à família, houve tempo para aprender mais. Frequentou a UNATI — Universidade da Terceira Idade, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Com certeza, não pode haver cansaço em quem sempre quis tudo da vida.

Em seus 92 anos completos, a muitos marcou. Fosse pela generosidade, pela alegria ou pelo desprendimento material. Sabia que o que mais importava era olhar para trás e se orgulhar do caminho percorrido. E motivos de orgulho não lhe faltaram... Maria das Graças lhe deu a oportunidade de viver as primeiras sensações como mãe e avó; já em Rodolfo, colheu a alegria de ver, no filho também militar, a manutenção da tradição militar dos Bitencourt. Relembra ele que, por força da profissão, sempre esteve mais distante, morando fora do Rio. No entanto, suas visitas eram recheadas de muita dedicação. Sua mãe fazia de tudo para agradá-lo e à sua família. Maria de Fátima faz questão de declarar seu grande amor por essa mãe, de quem tomou para si tudo o que de melhor pudesse ter. Não tem dúvida de que Vera partiu somente quando estivesse pronta para que conseguisse se despedir. Maria Aparecida, por sua vez, além do profundo amor, se põe a dedicar a esta mãe, que tanto a ajudou na criação de seus três filhos, uma enorme gratidão.

Não há como deixar de falar da profunda conexão com seus amados netos e bisnetos. Neles, via a continuidade de sua tão feliz e batalhada história.

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz”. Coube a Gonzaguinha, escrever os versos dos quais Vera se apropriaria para ser lembrada. Não seria ela a se envergonhar de ser alegre e querer a felicidade, por ter conseguido construir uma história com mais realizações memoráveis do que lamentos.

No jardim em que Vera desejou estar, muitas são as flores que a rodeiam. São suas a da gratidão, plantada pela filha Maria Aparecida; a da fortaleza, pela filha Maria de Fátima; a da solicitude, pelo filho Rodolfo e a da alegria, pela primogênita Maria das Graças.

Ali, sempre haverá festa.

Vera nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 92 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Vera, Maria Aparecida Monteiro Bitencourt Alvarenga. Este texto foi apurado e escrito por Cristina Magalhães, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 26 de junho de 2020.