Sobre o Inumeráveis

Vitorio Marchesini Junior

1942 - 2020

Médico cuidadoso, deixa uma reflexão sobre a importância da família.

Baiano de origem italiana, sentia orgulho de sua ascendência e constituiu uma família grande e unida. Casou-se três vezes e teve seis filhos: o Viki, o Sandro e a Cláudia, frutos do primeiro casamento, com Diná Bahia; o Victor, o Thiago e o Filipe, do segundo matrimônio, com a Ana Paula Menezes. Na terceira vez, uniu-se à Cecília e com ela permaneceu até partir.

Vitorio era apaixonado pelos familiares. Foi uma pessoa querida pelos irmãos Bruno e Dina e por todos os sobrinhos. Um avô amoroso para o Oliver, o Guilherme, a Malu, o Arthur e a Maísa. Um sogro admirado por Rafaela, Emanuela, Emanuelle e Bárbara.

Amava seu trabalho e dedicou a vida a ele. Em 1969, formou-se médico pela Universidade Federal da Bahia. Especializou-se em alergologia, foi diretor técnico da clínica Alergoderm e trabalhou no SAMU e na CIPA, dentre outras instituições. Ao todo, foram cinquenta anos exercendo o ofício.

Vitorio gostava de celebrar a vida: planejara com antecedência a comemoração de seu aniversário, mas não foi possível fazê-la devido ao isolamento social. Pelo mesmo motivo, parou de trabalhar, o que durou apenas uma semana. Vitorio era determinado e, a contragosto dos filhos, retornou aos atendimentos, dizendo que seus pacientes poderiam precisar dele. Não conseguiria ficar em casa sabendo disso. Convicto e organizado, reabriu a clínica, adotando as medidas de segurança necessárias.

Infelizmente, algum tempo depois, Vitorio precisou ser internado por contaminação pelo coronavírus. Durante os vinte dias de hospitalização, enviava áudios no grupo de WhatsApp em que estavam amigos e familiares. De espírito alegre, além de informar sobre o seu quadro de saúde, aproveitava para fazer brincadeiras: “Atenção ao grupo, bom dia! Bom dia a todos! A minha evolução está mais ou menos tranquila, só essa tosse... Querem ver? (tossia)", e continuava: “Agora vou fazer o que mais gosto: tomar banho sozinho. Perguntem à Cecé (e ria, mencionando a esposa)... Eu falei ironizando sobre tomar banho sozinho”.

Embora continuasse estável, sentia cansaço. A ansiedade aumentava. Passados alguns dias, delegou ao filho a função de informar-se sobre a sua saúde. Para Cecília, enviou uma mensagem individual: “Te amo. Estou controlado, viu? Beijos, minha paixão".

Vitorio sentiu grande alegria quando, nessas condições, recebeu a visita do filho Victor, que também é médico. Fez chamada de vídeo e enviou fotos para o grupo de Whatsapp. Certamente foi um momento feliz e abençoado. No dia da partida de Vitorio, mais uma vez eles foram privilegiados: o médico plantonista permitiu a entrada dos filhos e da esposa na UTI para que pudessem se despedir.

Vitorio foi sinônimo de cuidado com o próximo, pois mesmo quando cuidava de si, preocupava-se com os outros. "Ele dizia que iria escrever uma reflexão quando saísse do hospital, mas adiantou como gostaria que fosse escrita", conta a nora Rafaela, que tomou nota. Agora, ela atende ao pedido do sogro:

"Se as pessoas soubessem o quão solitário é desde o momento do internamento até o doloroso desfecho, jamais reclamariam das regras de isolamento social, jamais fariam reuniões ou festas desnecessárias, jamais dariam uma fugidinha para a casa de alguém ou duvidariam da existência do vírus. Quando adoece a pessoa, adoecem todos a sua volta. É uma dor que permanecerá por toda a vida, mesmo sendo necessário aprender a conviver com ela. Essa reflexão é sobre o que é o médico que trata os seus pacientes, mas também sobre o médico que tem que tratar a si próprio para não morrer. E entre as coisas mais importantes, não todas, mas entre as mais importantes, é ver essas fotos de vocês, isso me dá uma vontade muito grande de voltar. Pode ter certeza que a gente tem que ter uma meta, um aconchego, e a minha meta é a família, são vocês! Beijo!”

Sabendo da natureza grata do sogro, a nora finaliza com os agradecimentos:

"A todos os familiares e amigos, que estiveram presentes no grupo. Gratidão a sua esposa, filhos, irmãos e sobrinhos, netos e noras. Também aos seus funcionários Janaílson Silva, Edineide Pereira, Socorro Gomes, Marivaldo, Eliete, Rosana e Emanuel Messias. Aos seus amigos Antonio Rubens, João Machado, Tânia, Edigton Maia, Chico, Avani (que faleceu de covid-19 um dia depois de Vitorio) e Diná Bahia. Em especial, aos médicos André Pinheiro e Alessandra, que atuaram com ética e empatia. Aos pacientes do Vitorio, agradecemos por terem confiado suas vidas aos cuidados dele. Por fim, a todas as pessoas que direta ou indiretamente torceram por ele, agradecemos".

Vitorio nasceu em Salvador (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela nora de Vitorio, Rafaela Lyra Marchesini. Este tributo foi apurado por Jonathan Querubina, editado por Luciana Fonseca, revisado por Daniel Schulze e moderado por Rayane Urani em 18 de agosto de 2020.