1935 - 2020
“Se está ruim é porque está perto de melhorar”, ele dizia com otimismo.
Moreno, bonito, simpático e educado, Waldir conquistou o coração de Dona Santinha de imediato. Ela sempre disse que na juventude era impossível não se enamorar por ele. Se conheceram na rua, na Cidade de Vila Velha, mas seus destinos já estavam traçados. Por cinquenta e seis anos viveram com muito amor e companheirismo. A amizade iniciada naquele primeiro encontro deu origem a uma forte, duradoura e bonita união. Dela vieram os melhores frutos: a filha Aparecida e as duas netas, Kamila e Deborah.
Dedicado às pessoas que amava, seu grande prazer era ver a família reunida para o almoço em sua casa, que se estendia até o café da tarde. Seu ar sério escondia o coração enorme que pulava de alegria, quando podia ajudar alguém. Família, amigos estavam sempre nas suas prioridades. Era seu jeito de ser feliz!
Quanto mais velho, mais carinhoso ficava com as duas netas por quem sempre foi muito cuidadoso e amoroso. Seus grandes amores! “Quando eu era pequena, minha mãe me deixava com meus avós para trabalhar. Meu avô ficava encarregado de me levar para a creche, mas quando eu chegava lá, caía no choro e ficava agarrada na porta do carro. Então, ele me trazia de volta para sua casa e depois quando minha mãe perguntava, ele dizia que eu tinha ido tranquilamente para creche. Minha mãe só descobriu que eu não frequentava a creche durante uma reunião dos pais, depois de três meses pagando as mensalidades. Quando ela o questionou, ele disse que preferia cuidar de mim em casa do que me deixar chorando lá", conta Kamila.
Carinho muito especial também tinha pelo cãozinho Pelé, seu companheiro inseparável. "Antes do Pelé, meu avô não gostava muito de cachorros, contudo o animalzinho de estimação conquistou o coração dele. O Pelé dormia na janela que ficava embaixo do quarto dos meus avós. Quando meu avô se foi, o Pelé entrou no quarto dele e chorou", recorda.
Determinado e batalhador, Waldir nunca se acomodou, exercendo inúmeras funções durante a vida. Foi pedreiro, dono de bar e seu último trabalho foi como vendedor de mel. E nem doente descansava. “Quando ficava internado, ele nos convencia a levar o mel durante as visitas, pois vendia o produto para as enfermeiras do hospital", conta Kamila. Talvez também quisesse adoçar um pouco a vida de quem tinha duras tarefas dentro do hospital. Talvez quisesse também mostrar carinho por quem cuidava dele. Uma forma de estar presente naquele lugar na sua melhor maneira de ser.
O trabalho mais significativo e que Waldir desempenhou por mais tempo foi o de pintor. Autodidata, aprendeu a função por conta própria no período em que viveu no Rio de Janeiro. A pintura das casas para ele era não apenas sua fonte de sustento, mas uma alegria, um dom divino. Amava o que fazia e entregava sempre o seu melhor!
Tanta energia ainda tinha Waldir, que aos oitenta e quatro anos ainda dirigia, não se contentava em ir devagar pois sua cabeça ainda era de um jovem que amava viver.
Nas horas livres, adorava cuidar do jardim e fazer reparos na casa. Se não havia nada para fazer, ele inventava. Ficar parado não estava nunca em seus planos. Uma vida inteira trabalhando, era impossível ficar parado mesmo na aposentadoria. Trabalhar era seu grande prazer!
Honesto, nunca deixava uma conta sem pagar. "Pouco antes de se internar por conta da Covid-19, tinha comprado alguns materiais de construção para reformar sozinho uma edícula que ele tinha em seu terreno. Quando ia ser entubado, pediu a minha mãe que pagasse o dono da loja, pois tinha comprado fiado e não queria que o rapaz saísse no prejuízo”, conta a neta.
Waldir era vaidoso e não gostava de parecer idoso de jeito nenhum. Pintava os cabelos, o bigode e mesmo internado pedia a família que levasse tinta. “Nunca deixava um pelo branco nascer e sempre se movimentava para manter o corpo em forma”, diz Kamila. Dar a mão a ele para atravessar a faixa de pedestre era uma ofensa. E imagina chamá-lo de brincadeira de “velho”. Nessas horas sua cara séria e brava era o que se via.
Ah! Waldir tinha uma mania. Era a de colocar farinha em todas as suas refeições onde fazia uma mistura bem peculiar. Comia peixe com farinha, feijão com farinha e até mesmo combinava peixe com feijão e farinha. Tal iguaria não podia faltar na sua mesa!
Ele amava escutar músicas de sertanejos raiz. Kamila conta que na última vez que estiveram juntos, ele pediu para que ela gravasse um pen drive com as novas músicas do Trio Parada Dura, com Marília Mendonça cantando também. ‘Aceita que dói menos’ é a música que mais o lembra.
De alma esperançosa e cheia de fé, mesmo em tempos difíceis, Waldir tinha como lema 'Se está ruim é porque está perto de melhorar'. Nunca se entregava, um guerreiro por natureza.
A saudade é grande mas Waldir deixou tantos ensinamentos que os momentos dolorosos pelos quais a família passou durante sua doença, tinham sempre o tom esperançoso e determinado de que as coisas iriam melhorar logo. Assim ele acreditava, assim ele ensinou e assim viveu uma vida cheia de conquistas e muitos afetos.
Waldir será sempre lembrado com o mesmo amor que compartilhou durante toda a sua vida, na sua forma única de ser. Despede-se dele seus tesouros em vida, família e amigos de coração.
Waldir nasceu em Colatina (ES) e faleceu em Serra (ES), aos 84 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha e pelas netas de Waldir, Aparecida Rita Carvalho, Kamila Lifonsa e Deborah Lifonsa. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Míriam Ramalho, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 16 de dezembro de 2021.