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Wilson Pereira de Freitas

1958 - 2020

Até a braveza dele era engraçada: olhava por cima dos óculos e ficava com as bochechas bem coradas.

Carta aberta de Dieza a seu amado pai:

Esse é o meu pai, Wilson. Flamenguista roxo; dono de um coração imenso; chorão; apaixonado por fazer palavras cruzadas, jogar paciência e "Candy Crush".

Ele tinha olhos azuis bem pequenos e o cabelo ondulado. Aliás, ele tinha muito orgulho de seu cabelo cheio! Sempre cortava na lua cheia. Ele completou seus 62 anos muito bem vividos e zero cabelo branco! Sempre dava risada quando eu comentava sobre isso.

Amava comparar as nossas mãos e falar que os nossos dedos eram iguais e tortos. Tinha muitos amigos e um gosto especial por fazer novas amizades; os garçons, por exemplo, acabavam virando amigos dele. Colecionou diversos apelidos.

Construiu uma família que o ama demais: os dois filhos, e suas três irmãs, que o mimaram o quanto puderam, até além da conta. Era apaixonado pelos três sobrinhos; tanto, que exagerava nos cuidados! Os filhos eram o seu assunto principal e favorito. Tratava a gente como se ainda fôssemos crianças e sua maior alegria era ficar relembrando os bons momentos. Amava os animais; os passarinhos eram a paixão dele.

Tinha um assovio alto: sua marca registrada. Sua risada era muito engraçada, e ele sempre colocava a mão na boca quando ria. Ele ficava bravo também, às vezes. Colocava os óculos na ponta do nariz e olhava direto nos olhos! Ficava sério e muito vermelho!

Ele era muito trabalhador, exigente, rabugento - só de vez em quando -, caprichoso, metódico e extremamente vaidoso — um virginiano nato. Muito ansioso, tinha que programar o nosso cardápio com bastante antecedência, sempre com muito exagero!

Amava fazer ligação por vídeo e mandar fotos. Ele ficava muito feliz quando escutava: "Papaizinho lindo do Brasil, eu te amo daqui até a França".

"Eu te amo tanto ele!", era desse jeitinho que meu pai falava. Ele me tratava como se eu tivesse 5 anos e se divertia em me provocar e fazer voz de criança, até eu ficar brava e falar "não sou mais uma bebê!" Se ele lesse esta carta, sei que iria chorar muito e encostaria a testa em mim.

Cuidem-se! Usem máscara! Tomem as duas ou três doses de vacina!

Pai, eu te amarei para sempre!

Wilson nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu em São Paulo (SP), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Wilson, Dieza Zanin de Freitas. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Ana Macarini, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 1 de outubro de 2021.