Sobre o Inumeráveis

Zeno Augusto Bastos Veloso

1945 - 2021

Combinava implicância e bom humor; para os flamenguistas ele elogiava o Fluminense; e para os torcedores do Tricolor ele rasgava a seda para o Mengão.

Não se pode escrever uma história sobre a vida de Zeno sem mencionar seu jeito “ranzinza reclamão”. Caprichando no bom humor e sarcasmo, reservava provocações para quem quer que cruzasse seu caminho, ninguém escapava de suas brincadeiras. A sobrinha Larissa conta que nunca soube para qual time de futebol seu tio torcia, e conta: “Ele era aquela pessoa que dava um jeito de brincar e "zoar" com quem estivesse por perto. A minha irmã é super Fluminense, então ele falava do Flamengo quando se encontrava com ela ‘Ah, o Flamengo é o melhor time do Rio’. E se ele encontrasse um flamenguista, ele dizia ‘Ouvi dizer que o Fluminense é o time com a melhor torcida do Rio de Janeiro, é verdade?’. Ele estava sempre fazendo essas brincadeiras, de modo que eu lembro que, quando era pequena, uma vez perguntei ‘Mas qual é o time do tio Zeno?’”.

Sua esposa e filhos também não escapavam. Um de seus filhos, depois de formado em Direito como quase toda a família, resolveu mudar de carreira, decidiu dedicar-se à fotografia. Isso foi motivo suficiente para que o pai o provocasse dizendo “Esse rapaz é estranho”, enquanto tudo o que sentia era orgulho dos filhos. Sua personalidade crítica e provocativa era reforçada pelas peripécias inusitadas que aprontava, e isso sua esposa vivenciou de perto quando Zeno, assim que se casaram, levou um macaco para viver com eles em casa. Fato é que ele gostava muito de animais, incluindo os que antigamente abrigava em um viveiro no jardim - até patos! -, e os amados cachorros Lu e Ramon.

Existe talvez uma única exceção à regra das brincadeiras: sua mãe. Com a morte do marido, Dona Lygia desenvolveu uma relação especial com os filhos ao cuidar sozinha de Zeno e suas três irmãs, com seu jeito rigoroso de ensiná-los. Mesmo depois de ele ter crescido, continuava implicando com o filho, que ouvia tudo respeitosamente calado e nutria enorme respeito pela mãe.

Era evidente a forte conexão que Zeno mantinha com sua família. O que ele mais gostava de fazer era receber os familiares e amigos em sua casa para o almoço de Círio de Nazaré. Todos os anos, ele se alegrava em convidar os mais queridos para celebrar. E, como era um bom anfitrião, só se servia depois de ter certeza de que todos já estivessem bem servidos. Muito religioso, aproveitava para exibir sua coleção de imagens de santos antigos que guardava em casa.

Zeno era assim, implicante do seu jeito bem humorado e ao mesmo tempo generoso. Nunca se recusava a ajudar e o fazia de várias maneiras, seja com presentes, com uma recomendação de leitura ou uma indicação para emprego. Chegou a presentear a irmã com o camarote da Portela para a festa do Carnaval, mesmo ele próprio não gostando muito da “farra e badalação”, como conta a sobrinha.

Em seu coração generoso tinha espaço também para os queridos alunos. Em seu tempo de atuação como professor, sempre demonstrou interesse pelos estudantes e se satisfazia em vê-los aprender por meio das suas dicas. Além de professor, Zeno também foi tabelião, deputado estadual e consultor jurídico. Escreveu diversos livros sobre Direito, citados inclusive no Supremo Tribunal Federal. Em todas as suas diferentes profissões conquistou a admiração de muitos.

Zeno, com suas piadas, generosidade e perspicácia, será sempre relembrado por todos.

Zeno nasceu em Belém do Pará (PA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela sobrinha de Zeno, Larissa Veloso da Costa Santos. Este tributo foi apurado por Brenda de Oliveira Teixeira, editado por Brenda de Oliveira Teixeira, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 5 de dezembro de 2021.