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Lázaro Constantino de Oliveira

1932 - 2021

Na brinquedoteca de sua casa, recriou, junto da neta querida, a passagem bíblica da pesca milagrosa dos discípulos de Jesus.

Na infância viveu em um ambiente muito singelo, juntamente com a mãe e os irmãos, numa época em que não havia escolas nos arredores de casa e não contavam ainda nem com eletricidade.

Sua vida era regida pela religiosidade que estava presente até no nome do local em que nasceu, Jesuânia, de onde se mudou por um chamado divino. Ele sempre contava que durante uma oração em que se mostrava preocupado com o futuro dos filhos, Deus falou ao seu coração para vender tudo o que possuía e partir para São Paulo. Obedientemente, assim o fez, vendeu o pequeno gado, as plantações e o terreno para ir ao encontro de uma nova vida, como relata Aline, uma de suas netas:

“O meu avô fazia de sua devoção e do seu amor por Jesus o centro da sua vida. Todas as vezes que ressaltava os efeitos da fé em si, percebia que havia ali, uma eterna gratidão por tudo que Deus lhe conferiu. Ele sempre nos contava que a primeira vez que ouviu falar sobre Jesus, estava em uma época difícil de sua vida, com dois filhos pequenos para cuidar e apenas com a renda de seus plantios. A partir do momento que começou a frequentar a igreja e teve um encontro verdadeiro com Cristo, sua vida foi renovada”.

Era casado com Margarida e viveram juntos por 51 anos num matrimônio cheio de amor e de cuidados um pelo outro. “Quando chegou em São Paulo, o meu avô trabalhou incansavelmente para adquirir uma condição financeira estável. Então, a partir dessa época, tudo o que ele conquistava, era pensando no bem-estar da minha avó, dos filhos e, mais tarde, das netas. Por isso, esforçava-se ao máximo para alegrar a sua amada, além de prover financeira e emocionalmente tudo o que ela almejava”, conta carinhosamente Aline.

Ele era pai de Luís e Ordaiza e, como tal, foi a personificação da compreensão, do amor e do cuidado que devotou à prole. Tinha a preocupação e o desejo de deixar os filhos bem encaminhados e, por isso, fez questão de pagar cursos profissionalizantes para os dois e de oferecer uma casa mobiliada após o casamento de cada um.

Extremamente bondoso, tinha como ideal dar suporte a todas as necessidades dos filhos, conforme conta a neta: “O meu pai nos contava que durante a sua infância, aguardava ansiosamente o meu avô chegar do trabalho porque ele sempre trazia doces e presentes”.

Como avô de Aline e Dalila, lhes dedicava muito amor e sempre fez de tudo para vê-las felizes. Extremamente apegado à família, sua maior satisfação na vida era ver todos bem e confortáveis.

Ele era uma pessoa repleta de luz, bondosa, e que estava sempre disposta a ajudar o próximo com seu coração puro e aberto a Deus. Gostava de convidar pessoas queridas para tomar café em sua casa, realizava famosas noites das pizzas e, muito animado, estava sempre inventando algo para fazer na casa que mantinha o tempo todo impecável para que suas visitas se sentissem bem-vindas.

Iniciou sua vida profissional como agricultor, quando ainda vivia em Jesuânia. Lá possuía uma pequena plantação e vendia os alimentos que plantava para sobreviver. Já na capital paulista, tornou-se um vigilante que exerceu sua função sempre no mesmo local até a chegada da aposentadoria e onde era reconhecido e querido por todos.

Foi em São Paulo que aprendeu a ler e a escrever com consistência. A partir daí, dedicava-se horas a fio a estudar a Bíblia, adquirindo um conhecimento que o agraciou, durante muitos anos, com a missão de professor de ensino cristão na igreja que frequentava em suas horas livres, conforme conta Aline: “Por ser bastante envolvido e engajado, não se detinha apenas em estar presente nos cultos, mas participava com bastante empenho de ministérios. Desde pequena, inclusive, me levava para a igreja com ele e incentivava que eu me envolvesse nas atividades ministeriais”.

“Durante toda a vida, ele buscava me contar sobre os ensinamentos de Jesus. Foi ele quem me ensinou a ler a Bíblia e a cantar os hinos da harpa. Nas tardes vagas, ele se sentava comigo enquanto cantávamos juntos e líamos os textos bíblicos. Aqueles momentos como o meu avô me traziam tanta plenitude que eu sentia como se Jesus estivesse ali conosco”.

Aline fala sobre o avô, cheia de emoção: “O meu avô foi o meu grande referencial paterno. Lembro de quando pequena, ouvi-lo dizer que seria como um pai para mim. A partir desse dia, passou a me chamar de filhinha. Em determinada ocasião, enquanto participava de uma apresentação escolar, procurei os meus pais com os olhos, mas, não os encontrei. Entretanto, para minha surpresa, o meu avô estava na primeira fila, sorrindo, mantinha os olhos fixos em mim”.

E ela continua: “Quando passei na faculdade, o meu avô ficou imensamente feliz! Aos poucos, tornou-se meu companheiro nas longas jornadas de estudo, me auxiliando na organização dos meus resumos e me incentivando a nunca desistir. Por vezes, chegava cansada e triste devido à exaustão da rotina de estudos. Então, deitava no sofá da sala e acabava adormecendo. Nestes momentos, o meu avô colocava a mão levemente sobre a minha cabeça, orava por mim e saía bem devagar para não me acordar. Estranhamente, quando acordava após as orações dele, me sentia revigorada e feliz”.

“Meu avô foi a pessoa mais maravilhosa que eu conheci, eu não tive muito amor do meu pai, desde pequena meu avô enxergava essa realidade e, para amenizar a dor da rejeição, meu avô se colocou no lugar de pai para mim. Todos os meus aniversários de criança foi ele quem fez, e quando entrei para faculdade ele estava com toda a felicidade do mundo presente, torcendo por mim. Ele sempre apoiou meus sonhos e sonhou junto comigo e, com tanto tempo de convívio, os meus comportamentos acabaram se espelhando nos dele. Tínhamos, inclusive, expressões faciais e postura idênticas”.

Ela faz questão de ressaltar as qualidades do avô: “A generosidade dele podia ser percebida de três maneiras: pela disponibilidade do tempo, pelos atos de serviço e pelo auxílio financeiro. Ele disponibilizava tempo para ouvir e se interessava genuinamente pelo que outro tinha a dizer. Não se importava muito se determinada pessoa falava demais, apenas escutava atentamente. Depois, quando necessário, aconselhava, orava e apoiava quem lhe procurava para desabafar.”

“Financeiramente, eu me recordo de que todas as vezes que o acompanhava ao mercado, ele comprava uma cesta básica adicional para ofertar na igreja, que distribuía aos mais necessitados. Entretanto, se soubesse que determinada família estava passando por dificuldades financeiras, não exitava em ajudá-los.

“Na igreja, servia nos afazeres comunitários, na organização de eventos e em diversos ministérios. Por vezes, atuou como vigilante durante os cultos e atividades. Era um modo de agradecer ao Senhor pela profissão que colocava o pão na mesa de sua família”.

Foram muitas as histórias marcantes vividas com o avô e Aline, com dificuldade, conseguiu selecionar algumas mais significativas:

“A primeira lembrança aconteceu durante a minha infância, enquanto brincávamos de recriar a passagem bíblica da pesca milagrosa dos discípulos de Jesus. Montamos uma rede para ser o barco e, por meses, juntamos dezenas de garrafas pets para confeccionarmos peixinhos. Depois que ficaram prontos, os espalhamos por toda brinquedoteca. Era a mais pura diversão! Eu me recordo se que por um momento na minha tenra idade, pensei como era bom ter o meu avô por perto”.

“Nós tínhamos uma brinquedoteca em casa, onde passávamos a maioria do tempo nos divertindo. Eu tinha a sensação de ser a pessoa favorita dele! Volta e meia, inventávamos passeios novos, sendo as idas ao McDonald's, uma pedida certa. O tempo passou, cresci, mas nada mudou. Mantínhamos nossos costumes na companhia um do outro”.

“Já na minha adolescência, tínhamos o costume de jogar dominó. Quem via os risos e a alegria que ecoavam daquele momento, não tinha ideia no quanto o meu avô era competitivo. Ele tinha avidez por ganhar!

Para Aline, as lembranças de Lázaro estão no cheiro de lavanda que ele amava, na cor rosa que era sua preferida, na torcida apaixonada pelo Corinthians, no sabor da pizza, no gosto pela leitura e relato do que lia na Bíblia, na lembrança dos olhos que sorriam com pureza, na música 11 vidas, interpretada pelo cantor Lucas Lucco, principalmente, na parte que diz:

"Me pareço tanto com você,
Olhando dá pra ver, seu rosto lembra o meu.
Desde o primeiro aniversário,
O primeiro passo, sempre pronto pra me defender".

Pensando na partida do avô, Aline afirma: “Meu avô foi a pessoa mais maravilhosa que eu já conheci. Quando ele faleceu, senti que uma parte de mim se foi e eu ainda não a encontrei. Quando revisito as minhas imagens de infância, há uma foto do meu aniversário, que estamos exatamente com o mesmo semblante de seriedade. Tínhamos, inclusive, a mesma personalidade”.

Quando indagada sobre os sonhos do avô, Aline acredita que ele tenha conseguido realizar o maior deles, que era a compra de um terreno para a construção do próprio imóvel e, após alguns anos de trabalho árduo, conseguir construir nele uma linda casa que se constituiu um verdadeiro lar, repleto de memórias e onde foi muito feliz por longos anos.

Concluindo sua homenagem, ela destaca o que aprendeu com Lázaro:

“Foram diversos os ensinamentos que o meu avô me deixou. Por meio do exemplo, ele me ensinou a ser uma pessoa íntegra, justa, alegre e amável. Seu Lázaro sempre me dizia para correr atrás dos meus sonhos, porque tudo o que desejamos com todo o nosso coração se torna possível. Foi também o meu avô quem me apresentou Jesus, me contava as histórias da Bíblia e me conduziu aos caminhos de Deus. Em cada parte do meu ser, jorra gratidão por tudo o que meu avô fez por mim e pela bênção que foi tê-lo em minha vida!”

Lázaro nasceu em Jesuânia (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 89 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Lázaro, Aline Silva de Oliveira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 25 de agosto de 2023.