Sobre o Inumeráveis

Luiz Donizete de Oliveira

1965 - 2020

A vida de superações o tornou um homem apaixonado pelas coisas simples, como ganhar carne pro churrasco.

Filho único entre duas irmãs, desde garoto viveu muitos infortúnios que o marcaram para sempre. Bem cedo perdeu o pai, que cuidava de uma fazenda longe de casa, vítima de assassinato. Logo em seguida, Dona Maria, sozinha com Helena e Luiz, descobriu que estava grávida da caçula, Elaine. A família, que já passava necessidades, teve muito mais privações a enfrentar.

Luiz passou por tempos difíceis, mas devia a eles a formação de seu caráter. Começou muito jovem a trabalhar e fazia o que podia para ajudar em casa. Serviu o exército e, em seguida, entrou para a empresa Clariant, onde permaneceu por muitos anos. Mais tarde, já concursado, estabeleceu-se na INB – Indústrias Nucleares do Brasil.

Donizete, como era conhecido no trabalho, ou Zetinho, pela família, era flamenguista roxo. Chegava a ficar mal-humorado quando o time perdia. Tinha o sonho de conhecer o CT do Flamengo e o Maracanã, como conta a esposa Luci, que o conheceu em 2008 e em um mês foram morar juntos.

Zetinho passou por mais algumas dores com a partida sofrida de Dona Maria. Ela lutou contra um câncer, enfrentou duras sessões de hemodiálise e não resistiu às sequelas da radioterapia. Luiz, que já era fechado, tornou-se ainda mais retraído.

Sua grande vontade sempre foi ter um filho e é sua companheira que descreve os momentos tristes que viveram nesse aspecto: “Engravidei, mas infelizmente os bebês pararam de se desenvolver e tive um aborto retido. Quase entrei em sepse e fui obrigada a fazer uma curetagem, pois eles já estavam sem vida. Depois, como era muito de seu desejo, buscamos mais informações, e acabamos por descobrir que alguns problemas o impediam de gerar seu próprio filho.”

No entanto, desde que conheceu o enteado, também Luís, tornaram-se imediatamente grandes amigos. Ambos tinham personalidades bem parecidas: quietos e reservados, e passaram a se chamar de "colaborador", como em empresas. Apesar das grafias dos nomes diferentes, a coincidência era motivo de orgulho para aquele que teve um importante papel de pai na vida do menino por todos esses anos. Muitas vezes, quando saíam juntos, as pessoas pensavam serem pai e filho, e Zetinho ficava envaidecido. Ele teve no enteado o filho que não chegou a vir como imaginava.

Luiz tinha colegas de trabalho. Não tinha amigos de sair ou frequentar sua casa. Um homem muito simples e correto com suas contas. Sem vaidades e apegado somente a duas camisas, presentes da esposa e do enteado. “Eu vivia brigando com ele porque quase sempre queria usar as mesmas. Na maioria das nossas fotos ele está com uma dessas duas camisas”, entrega Luci.

Em março de 2019, ficou no CTI em estado grave por causa de uma pancreatite. Luci relembra que ele dizia que ia morrer e não realizar seu sonho de conhecer Foz do Iguaçu. “Fiquei ao lado dele, mesmo no CTI e lutei para que o desânimo não o abatesse. Meu marido conseguiu vencer essa batalha e, em julho de 2019, fomos a Foz do Iguaçu. Obviamente de carro, pois ele tinha pavor de avião. Mas guardarei eternamente a felicidade imensa que ele sentiu.”

Outra coisa que o fazia bem feliz era ganhar um bom pedaço carne! Sim, Luiz era louco por churrasco!

Com a chegada da pandemia, Luiz estava extremamente cuidadoso. Evitava sair de casa, mas quando necessário não andava sem máscara e sempre tinha um frasco de álcool em gel no bolso. Quando levava Luci em algum lugar, ficava no carro e ela comprava o necessário. Ao chegar em casa, preocupava-se em ajudá-la e em seguida correr pra tomar um banho. Não foi mais, durante esse tempo, ao barbeiro. Foi quando decidiu que deixaria crescer o bigode. Luci comenta: “Eu cortava seus cabelos e aparava o bigode, que virou motivo de risos entre nós. Apelidei-o de "bigodão" e sempre fingia que ia raspar. Ele respondia que só quando acabasse a pandemia ou ele tomasse a vacina. Infelizmente nenhum dos dois chegou a tempo.”

Aposentado desde março de 2019, seguiu trabalhando. Mas em razão da pandemia, decidiu que 25/09/2020 seria seu último dia de trabalho e retornaria à empresa no dia 30 para buscar algumas coisas pessoais e entregar um atestado para a licença médica. Justamente no dia 30 chegou sua aposentadoria do INSS, por um tempo especial, à qual ele lutava desde 2017. Mas nada disso lhe serviria mais.

Luci despede-se do marido com o gosto de saudade e contando a peça que o destino pregou no casal: “Tínhamos união estável, mas tentamos nos casar por três vezes e em todas algo nos impediu de concluir a sonhada etapa. Na primeira, foi a perda dos bebês e a licença venceu após dar entrada no cartório. Mais uma tentativa e perdemos novamente o prazo da licença, com a luta da doença da minha sogra. E na terceira, ele partiu antes do sim oficial, pois o sim verdadeiro já tínhamos entre nós há muito tempo. Faltou tanta coisa ainda pra viver e fazer... restou o vazio e o silêncio do meu amado.”

Luiz nasceu em Porto Real (RJ) e faleceu em Resende (RJ), aos 55 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Luiz, Luci da Silva. Este texto foi apurado e escrito por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Denise Pereira em 15 de fevereiro de 2021.