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Luiz Erivan da Costa

1965 - 2020

Certa vez, saiu de uma festa de casamento para partilhar com um homem em situação de rua a boa comida do banquete.

Ele contava que era de uma família grande com oito irmãos e que morava com os pais na zona rural. Desde pequeno trabalhavam na agricultura para ajudar em casa, mas também se divertiam num rio que corria perto de sua casa, nadando e pescando para partilhar com a família o fruto da pescaria.

Contava que seus pais eram humildes, mas aproveitaram muito bem o tempo juntos. Gostavam de sentar na calçada todas as tardes e, aos domingos, a família inteira se reunia, costume que foi mantido com a chegada de novos integrantes. Os pais viveram e morreram juntos num desfecho inusitado. Um certo dia os dois passaram mal. Ele de repente e ela, por vê-lo naquele estado. Os dois foram levados para hospitais diferentes e ambos morreram na mesma semana, um sem saber da morte do outro.

Luiz e sua esposa foram casados por 29 anos e eles se davam muito bem e cultivavam hábitos comuns como o de acordar de madrugada e ir tomar banho num rio próximo de casa. Durante todo esse tempo ele foi um marido muito bom, amoroso, responsável, ajudava nas atividades de casa e sempre resolvia as questões da família, fosse numa crise, intriga ou conflito familiar, ou mesmo socorrer alguém necessitado de ajuda.

Ele era um pai dedicado e babão que sonhava em ser avô. Era único, um herói, que fazia tudo pela família. Era o maior conselheiro e ajudante da família, aquele que sempre conseguia soluções para os problemas. Amava muito os dois filhos e um afilhado que criava como seu, era o xodó da casa. Seu maior sonho era ver todos eles formados, para terem estabilidade financeira e serem independentes.

Loyanne, a filha mais nova, estudava fora, mas fazia questão de retornar para casa todo final de semana para ficar com os pais e conta: “Ele era uma das minhas pessoas favoritas no mundo. Ele sempre teve muito orgulho dos filhos, falava sobre as nossas conquistas em todos os cantos, no trabalho, pros amigos, até hoje quando as pessoas nos veem, dizem que ele só falava na gente”.

“Gostava de trabalhar, de fazer caminhada, de escutar música, de ficar reunido com a família. Uma de suas músicas favoritas era 'Utopia' de Padre Zezinho", recorda a filha. Loyanne lembra carinhosamente, “Ele cantava muito pra mim e meu irmão quando éramos pequenos, essa parte principalmente:
"Das muitas coisas do meu tempo de criança
guardo vivo na lembrança o aconchego de meu lar
No fim da tarde, quando tudo se aquietava,
a família se ajeitava lá no alpendre a conversar".

Ela se recorda de muitas histórias vividas, principalmente aquelas em que ele demonstrava o seu amor e zelo pela família. A última delas se deu quando internado em um hospital devido a um acidente de moto sofrido em julho de 2021. Luiz ficou tão ansioso para voltar para casa que começou a anotar em um caderno, todas as horas até o dia provável para receber alta. A cada hora que passava, ele o riscava e falava que estava mais perto de realizar seu sonho de ir pra casa.

Trabalhava todos os dias na agricultura e vendia frutas. Convivia com muitas pessoas, era divertido e, assim que ele faleceu, a família foi ao sítio resolver algumas coisas e todos os amigos dele falavam sobre a capacidade que ele tinha de aconselhar, falar em Deus e dar força para quem estava precisando.

Ele possuía uma explicação pessoal para as mortes resultantes do Covid. Certa vez, durante os exercícios físicos que faziam dentro de casa, ele aproveitou para mais uma vez falar sobre Deus quando a esposa perguntou o porquê de tantas pessoas boas estarem morrendo tão rápido, ele respondeu que acreditava que Jesus estava começando a vir buscar os dele.

Segundo Loyanne, sua generosidade era notável: “Ele era muito bom. Uma vez, nós fomos para um casamento e no caminho ele viu uma pessoa sentada numa calçada e no meio da festa ele pediu para a mãe da noiva fazer uma quentinha e foi lá deixar pra esse homem. Todo ano ele fazia campanha pra ajudar, organizando arrecadações de alimentos. Gostava de visitar quem estava em situação difícil, não só por questões financeira”.

Luiz é definido pela filha por meio de suas virtudes: “Meu pai era virtuoso, amoroso, carinhoso, engraçado, inteligente. O ser humano com o maior coração que tive a oportunidade de conhecer, um verdadeiro herói”.

Luiz nasceu em Apodi (RN) e faleceu em Mossoró (RN), aos 55 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Luiz, Loyanne. Este tributo foi apurado por Emily Bem, editado por Vera Dias, revisado por Claiane Lamperth e moderado por Ana Macarini em 2 de dezembro de 2021.